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segunda-feira, 12 de abril de 2010

Desapego

Imaginas que sofro com tua ausência?
De fato conjecturas sobre meus sentimentos.
Imaginas que afundei-me em decadência,
Sofrendo por te ter em meus pensamentos.

Pensas que lembro-me de ti com afeto,
Que em meu coração ainda encontra alento,
Como se fosse teu refúgio secreto,
Para quando a vida te por em sofrimento.

Sofro sim, mas não pense que seja por saudade,
Pois tudo que trouxes foi desgosto e ilusão.
Sofro por teres ido tão tarde,
Agora que descobri que não há solidão

Vivo os prazeres da vida e da carne,
Sem no entanto ofertar meu coração
Deitei-me com mulheres de todas as idades,
Experimentei o sexo de ocasião.

Não, não preciso mais de tuas lamúrias,
Muito menos de seus achaques e sandices,
Descobri que posso viver da luxúria,
E que perder meu tempo contigo, foi pura tolice.

domingo, 28 de março de 2010

Fim / Rotina

- Você não sabe amar!

Gritava com lágrimas nos olhos. Cobrava apenas aquilo que considerava a equidade do sentimento que tinha por ele.

Indiferente ele acendeu um cigarro, soprou a fumaça pro alto e fitou-a em silêncio. Aguardando o que mais poderia advir daquela discussão que considerava desnecessária e enfadonha.

Ela começou a chorar, primeiro em silêncio, depois parecia fora de si chorava e gritava encolhida no sofá. Naquela situação o silêncio dele a feria mais do que quaisquer palavras que pudesse dizer.

Em pé diante dela, ele apenas fumava o cigarro enquanto ela chorava. Apagou o cigarro pela metade, sentou-se ao lado dela passou-lhe a mão pelos cabelos. Ela, com raiva empurrou-lhe gritando:

- Sai daqui!

Ele levantou-se acendeu outro cigarro e caminhou em direção à porta, abriu-a, olhou pra trás e disse em tom seco:

- Me liga amanhã.

Foi-se embora e nunca mais ouviu falar dela.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Devaneio

Ele vinha caminhando rua abaixo imerso em pensamentos. Em meio a seus pensamentos rápidos e atropelados divagava sobre tudo e sobre nada enquanto seu corpo caminhava automaticamente para lugar algum. Era como se o mundo ao seu redor não existisse até o instante em que chocou-se com outra criatura tão distraída quanto ele.

- Desculpa
- Eu que peço desculpa estava aqui viajando e nem te vi.

Despediram-se e seguiram seus caminhos confusos de destinos incertos. Ele sentou-se num banco e pôs-se a tentar devanear como já fazia antes da brusca interrupção que sofrera, foi quando deu-se conta de que não pensava em nada antes de interromperem-no. Quanto mais pensava menos conseguia lembrar de seus pensamentos anteriores.

Começou então a ser tomado por um sentimento incômodo de não ter em que pensar. Todo mundo tem no que pensar, oras. Por que justamente ele não conseguia pensar em outra coisa além da incômoda sensação de não conseguir pensar? A dúvida o torturava: teria ele algo em que pensar?

Levantou-se e pôs-se a observar os transeuntes. Todos sisudos, estariam eles imersos em seus mundos de problemas inexistentes e medos injustificáveis? Não tendo no que pensar começou a pensar sobre o que estariam os outros pensando.

Uma senhora caminhando do outro lado da rua tinha um olhar despreocupado, enquanto aquele homem de meia-idade que passava por ela naquele exato instante tinha um caminhar apressado. De cabeça baixa e cara amarrada facilmente seria comparado a um touro pronto para atacar.

Foi quando deu-se conta de que estava observando as pessoas então pensou consigo se alguém o estaria assistindo naquele exato instante. Deu um giro sobre si mesmo procurando seus possíveis observadores e nada encontrando voltou a observar os outros e tentar descobrir sobre o que eles pensavam.

Tomado por grande curiosidade decidiu que teria que decifrar o mistério. Uma jovem de uns vinte anos de idade vinha subindo a rua. Cabisbaixa, usava toca e cachecol para se proteger do frio e enquanto respirava soltava aquela fumaça resultado da diferença da temperatura corporal para o ambiente frio que a circundava. Resolveu perguntar o que ela pensava e imaginou grandes respostas sobre trabalho, família ou faculdade. Talvez o término de um relacionamento ou o início de um novo.


Assim sendo, quando ela ultrapassou-o ele soltou um grito:

- Hey!

Ela parou de andar e voltou a cabeça para ele, por sobre os ombros:

- Você está pensando no quê agora?

Ela voltou a caminhar com um passo ainda mais apressado e saiu balançando a cabeça, deixando-o na dúvida.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Limites ultrapassados

Nós estávamos nessa vida terrível de idas e vindas. Terminamos nos últimos três meses coisa de umas 7 vezes. Brigávamos pelos motivos mais banais, e reatávamos pelos menos importantes. Não havia nada que nos mantivesse unidos, nem nada que conseguisse nos manter separados.

Acredito que, nunca na minha vida, viverei algo tão intenso quanto o fim desse relacionamento. Agora que acredito que ele realmente tenha chegado ao ponto sem retorno, vejo que amadureci demais. Vivenciei sentimentos que jurava ser incapaz de sentir. Odiei, perdoei, odiei ainda mais e alcancei novamente o ápice do perdão. Quis vinganças, busquei serenidades e cheguei até a admitir que a situação estava fora do meu controle, coisa que, para mim, é praticamente impossível.

Depois de eventos descabidos, como eu me trancando no banheiro para não levar uma facada, ou ela correndo escada abaixo de camisola para não levar uma surra, finalmente cheguei à conclusão de que havíamos ultrapassado até mesmo o limite do irracional. Obviamente não foi uma decisão comum. Xingamos-nos, brigamos, nos agredimos fisicamente e no auge da briga começamos a nos beijar. Um beijo intenso, vívido e quente. Desses que imaginamos ser coisa de novela até nos acontecer.

Fizemos sexo. Um sexo sem limites, sem perversão e sem sentimento. Sexo puro e simples. Depois de terminado o coito eu limpei o canto da minha boca, que sangrava por causa de uns socos que ela havia me dado após desferir-lhe um tapa na cara. Olhei o sangue em minha mão e vi meu rosto marcado nas dezenas de reflexos no espelho quebrado, que milagrosamente manteve-se na moldura do guarda-roupas.

Ali eu entendi o grau de insanidade a que havíamos chegado. Sem falar nada eu retirei as malas de cima do guarda-roupa e comecei a jogar minhas roupas dentro. Ao ver a cena ela começou a pedir que eu não fosse embora, que eu era tudo que ela queria na vida. Vendo que não me abalei ante seus apelos ela se pôs a chorar e começou a me xingar. Xingou-me de uma maneira tão impiedosa que, por um milésimo de segundo ponderei recomeçar a briga que havíamos acabado de encerrar como dois animais no cio.

Quando fechei a mala e comecei a vestir a roupa que eu estava usando antes ela começou a me bater. Desvairada. Chorava, gritava, xingava e me batia. Eu estava tão decidido que parecia que não estava vivendo aquela cena. Eu apenas continuei me vestindo calado enquanto ela me batia e ficava cada vez mais fraca.

Perdeu as forças e sentou-se nua no chão, sem importar-se com os cacos de vidro espalhados, os restos de um porta-retratos com uma linda foto nossa. Botou a cabeça entre os joelhos e chorou todas as lágrimas do mundo. Um choro convulsivo e desesperador que sequer me tocou. Havíamos ultrapassado o limite há muito tempo, muito embora só ali eu tenha me dado conta.

Peguei a mala e sai porta afora. Quando cheguei ao térreo do prédio o celular tocou. Era ela. Eu apenas atirei o aparelho no espelho d'água na entrada do prédio, sem atendê-lo. Dirigi-me até o carro, acendi um cigarro e olhei pela última vez para a janela do apartamento onde morávamos. Joguei a mala dentro do carro e sai guiando sem direção até parar em um desses botecos de esquina, tão imundos na entrada que chega a dar medo de pensar em como é o banheiro.

Pedi uma garrafa de uísque e adormeci na mesa do bar, embriagado com aquele uísque falsificado.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Casais

Caminhavam felizes pela calçadinha do parque, naquele pôr-do-sol típico de Brasília. Aquele céu encantador com suas tonalidades rosáceas, alaranjadas mesclando-se à negritude da noite que se aproximava.

Marcelo era alto, esguio e sorridente. Priscila era baixa, formosa e séria. A despeito dessa disparidade notória, formavam um casal perfeito. Suas discordâncias eram saudáveis e enalteciam as discussões do casal. Discussões das quais, não raro, ambos saiam com pontos de vista transformados, característica comum dos que estão abertos á novas idéias.

Combinavam em tudo, até mesmo nesse gosto provinciano de caminhar de mãos dadas ao final da tarde, enquanto o sol se põe. Caminhavam felizes conversando sobre a vida, o cotidiano e sobre os planos futuros.

Ele levava a vida como uma grande brincadeira o que fazia com que Priscila assumisse o papel da pessoa lúcida do casamento. Marcelo era a alegria que faltava a Priscila e ela era a seriedade que falta a ele. Uma relação simbiótica ímpar.

Nesta segunda-feira brasiliense típica eles caminhavam pelo Parque da Cidade, um casal de idosos ia à sua frente também caminhando, enquanto eram ultrapassados pelos atletas amadores, ciclistas de patinadores. Apenas caminhavam pelo prazer de estar lado a lado ao final de um dia de trabalho estressante.

- Sabe, amor...
- Hum...
- Não entendo como alguns casais não conseguem e manter juntos.
- Que papo é esse? Eu, hein...
- Ah, é que o Augusto lá do departamento tá se separando.
- Sério? Por quê? Aconteceu alguma coisa?
- Ah, eu perguntei a ele. Disse que não dá mais. Só isso.
- Como assim "não dá mais"?
- Foi o que eu perguntei. Ele só repetiu que não dava mais e saiu meio nervoso.
- E porque ele ficou nervoso?
- Foi o que eu me perguntei, mas não tive coragem de perguntar a ele. Na verdade eu acho que ele ainda gosta dela.
- Se gosta, por que vai separar?
- Porque não dá mais.
- Todo engraçadinho, você, né?
- Ah, amor. Eu penso nessas coisas e fico com medo de acontecer com a gente.
- E porque você acha que pode acontecer conosco?
- Não sei. Vai ver é só um medo bobo, mas não deixa de ser um medo.
- Eu não tenho medo.
- Não?
- Não. Quero você e pronto.
- Que bom então.

Abraçou-a. Enquanto conversavam aproximaram-se do casal de idosos que, inevitavelmente ouviu a conversa. Enquanto Marcelo e Priscila se afastavam abraçados e sorridentes, Seu João olha Dona Catarina. Abraça-a, dentro das possibilidades que seu corpo enrijecido permite e lhe beija a face.

- Foi assim que a gente conseguiu não foi, meu bem?
- Deixa de ficar ouvindo a conversa alheia, velho safado.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Amor doentio

Trancada no banheiro Giovana gritava histericamente, enquanto seu noivo, ou àquela altura ex-noivo, socava a porta aos berros chorando desesperado. A notícia do término despertou no homem uma bestialidade tal que, quem o visse naquele estado, não acreditaria nunca que se tratava de Luís Sousa: médico cirurgião. Homem dos nervos de aço e de mente serena. Bastante admirado em seu trabalho pela sua frieza em situações de emergência.

- Vai embora, Luís. Sai daqui, não quero te ver nunca mais!
- Giovana, me perdoa. Eu perdi a cabeça... me perdoa, pelo amor de Deus.

Cacos de vidro e sangue fresco estavam espalhados pelo chão da casa, enquanto uma ponta de cigarro manchado de batom queimava um pedaço do sofá na sala, enquanto isso Luís sentava no chão do corredor, apoiando as costas na porta do banheiro. Com o rosto entre as mãos, e os braços apoiados nas pernas chorava compulsivamente, um choro desesperador e amedrontador.

Dentro do banheiro Giovana chorava encostada no azulejo frio, manchado de sangue. Um choro silencioso, como se estivesse tentando não denunciar sua presença a algum monstro que rondasse pela casa à espreita de qualquer movimento seu. Enquanto chorava, absorta em seus pensamentos não ouvia através da porta do banheiro o choro convulsivo do homem que amou durante tantos anos. Apenas chorava silenciosamente e pensava em dar Um basta à sua vida.

Luís desfazia-se em prantos e soluçava de maneira quase convulsiva enquanto pegava um caco do porta-retratos que arremessara na parede e cortava os próprios pulsos. "Se não for pra viver com ela, que tudo mais vá pro inferno", pensava enquanto cortava os próprios pulsos, sem imaginar que dentro do banheiro Giovana tomava todos os comprimidos que encontrara no armário.

Agora calado, aguardava a morte de braços estendidos, sangrando pelos cortes de precisão cirúrgica que havia feito em seus próprios pulsos, a despeito do instrumento rudimentar do qual dispunha, e se olhava na foto que estava ali perto dentro dos restos do porta-retratos, uma foto onde sorridente, carregava a então noiva em seus braços, num momento de amor primaveril e radiante. Foi então que se pôs a chorar novamente até perder a consciência. Chorava novamente aquele choro bestial e nem percebia a fumaça que preenchia o ar do corredor.

Morrera naquela mesma posição, vigiando a porta do banheiro onde estava a mulher que adorava mais que tudo nesse mundo, enquanto o fruto de seu esforço, o apartamento que dividiam, era consumido pelo fogo que se alastrava pelos tapetes, carpetes e cortinas.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Loucura

Isolado em sua própria mente,
Pedro vivia sua vida decadente.
Não tinha amigos nem parentes
Tinha apenas sua imaginação doente.

Em sua camisa branca ele descansa,
De braços enlaçados como uma criança.
Em seu abraço carente de esperança
Pedro revive suas lembranças.

Seu quarto acolchoado o protege,
Sua camisa branca o aquece,
Seu abraço constante o fortalece,
E a realidade dura o persegue.

Pensamentos correm inconclusos,
E perdido em devaneios obtusos
Anseia por objetivos escusos
Por não ver na vida algum uso.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

O cheiro que precede a chuva

Dia normal e enfadonho no trabalho. A verdade é que eu já não ligo mais a mínima para o que acontece ou deixa de acontecer no escritório. Eu me rendi ao sistema e trabalho no modo automático executando instintivamente todas as tarefas do cotidiano. Sair do escritório é como sair de uma caverna após um século hibernando, como todos os dias úteis anteriores neste último ano.

Acontece que nem sempre foi assim. Antes havia alegria e vigor. Antes havia vida. O fato é que meu mundo tornou-se cinzento desde que meu amor morreu. Engraçado falar isso assim de maneira tão displicente: "meu amor morreu". Nunca percebi o quanto isso soa ridiculamente emotivo e pensando bem, agora que isso soa demasiadamente emotivo percebo que acabei me tornando malditamente frio: o tipo de pessoa que eu desprezava.

Caminhando até o carro sinto aquele cheiro de terra molhada que precede as chuvas após o período da seca nesta savana maldita que é o cerrado do Planalto Central. Esse cheiro me traz tantas lembranças. Encontros, desencontros, brigas, tréguas, realizações e frustrações. Dizem que isso acontece porque raramente os sentimos por estas bandas, já que a chuva é escassa por aqui, mas eu prefiro acreditar que é porque eu sou ridiculamente emotivo. Preciso resgatar alguma coisa boa do passado.

Ao entrar no carro tiro a gravata e desabotôo o colarinho em busca de ar, especialmente aquele ar com o cheiro que precede a chuva. Então fico lá sentado divagando experimentando o meu passado distante e o meu passado recente. Lembro-me de Júlia por alguns instantes e procuro afastar esses pensamentos. Ligo o carro e o dirijo até minha casa.

Lá chegando eu entro, abro todas as janelas, desligo todas as luzes e abro uma garrafa de Cabernet argentino. Fico no escuro sentindo aquele cheiro especial que me trazia de volta o passado até mesmo mais do que minha própria memória e a lembrança de Júlia inevitavelmente ressurge. Fico lembrando nossa última conversa, de quando ela me contou o quanto achava miserável por sentir pena de mim mesmo. Ela achava que eu tinha potencial, mas que eu mesmo me sabotava. Por fim disse que já não sentia mais a mesma coisa por mim, que estava gostando de outro e que estava indo embora de minha vida. Saiu sem me dar oportunidade de falar nada, não que eu quisesse, mas acho que merecia essa oportunidade. Simplesmente virou as costas e saiu. Eu fiquei na janela acompanhando a sua partida e sentindo esse mesmo cheiro que sinto agora. Foi esse o dia que meu amor morreu.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Felicidade

Stanley era um sonhador. Iludido pelo sonho de ser feliz, via em todos os caminhos impostos pela vida algum desígnio do destino para que ele entrasse no caminho correto que o levaria à felicidade.

Costumava acordar de bom humor e via em todos um leve vislumbre do que seria uma parte da felicidade. Estava convencido de que quando a encontrasse não seria aos pedaços, mas sim completa e intacta. Ele acreditava em felicidade parcial, aquilo que comumente conhecemos como momentos felizes, para ele eram apenas uma parte da felicidade que nos seria possível alcançar, mas que rapidamente se desfazia porque a felicidade quando não é completa tende a se dissipar nas agruras da vida.

Essa forma de pensamento levou Stanley a viver em sua vida uma procura incessante e incansável pela felicidade. Durante os trinta primeiros anos de sua vida fora guiado por um positivismo inigualável e alcançou sucesso em quase tudo que fez. Um ótimo salário em um trabalho invejável, o amor de uma bela mulher com a qual casou-se ainda jovem e a conquista de todos os sonhos de consumo que uma remuneração alta poderia proporcionar. Stanley tinha em mente que só seria feliz se o fosse por completo e em todas as esferas da sua vida.

No ano em que completou trinta e um anos de idade Stanley começou a se perguntar porque ainda não conseguira ser feliz. Tinha uma bela casa, uma bela esposa que o amava, estava sempre com o carro do ano e sua carreira estava em plena ascenção. O problema é que nunca, em nenhum momento, todas áreas da sua vida estiveram plenamente bem ao mesmo tempo. Quando o trabalho estava bem, acontecia alguma briga com a esposa e vice-versa.

Houve um único dia em que estava num excelente momento com sua esposa, chegando no trabalho fechou um negócio espetacular que rendeu-lhe uma promoção. Decidido a ir comemorar com a esposa pediu para sair mais cedo da empresa e, chegando ao estacionamento, seu carro não estava mais lá: havia sido roubado. Adicionalmente enquanto estava na delegacia fazendo o boletim de ocorrência sua mãe liga informando que o irmão havia sofrido um acidente de moto. Sua felicidade completa durara apenas alguns minutos.

Desde então Stanley passou a se perguntar o que era a felicidade e por que ele não conseguia ser feliz. Mergulhou em uma depressão profunda. Triste, seu trabalho já não rendia mais e começou a cometer deslizes que o levaram a uma demissão. Desempregado e à procura da resposta para o motivo de sua falta de felicidade perdeu a esposa e a vontade de viver.

Se patrimônio foi aos poucos dilapidado pelos credores e Stanley terminou seus dias deitado em um beco fétido, brigando com outros mendigos por um pedaço de carne podre. Em uma dessas brigas acabou sendo esfaqueado mortalmente. Enquanto agonizava, o sangue jorrando pela boca, Stanley vislumbrou seu passado. Então sorriu e, sentindo-se realizado, pensou: "eu era feliz e não sabia".

terça-feira, 22 de julho de 2008

Confuso

Engraçado ver essas coisas acontecendo conosco, sentir essa distância se tornando cada vez maior. Juro por tudo que há de mais sagrado que tudo que eu quero é fazer com que as coisas dêem certo.

Não dá pra dizer "eu te amo" o tempo todo porque têm horas que tudo que eu queria era que você virasse fumaça e sumisse da minha frente, mas logo em seguida me desespero por pensar nessa possibilidade. Minha vida sem você seria por demais penosa: uma busca constante e um eterno desgosto por não te encontrar. É justamente pensando nessas coisas que eu acho engraçado te ver assim, se distanciando e eu aqui quieto na minha só sentindo essa distância aumentar.

Não faz sentido pensar que me desesperaria sem você e, ao mesmo tempo, assistir mudo e imóvel à tua partida lenta e sofrida de minha vida lenta e sofrida. Acho que cheguei nesses dias de conflito pelos quais todos passam algum dia na vida e pelos quais alguns passam a vida toda. Estou confuso a respeito do que me confunde. Não sei se estou confuso a respeito do que sinto, ou se estou confuso a respeito do que fazer! O fato é que estou confuso, e isso não tem nos ajudado. Será que você está confusa também? Seria tão mais fácil se ainda tivéssemos a mesma comunicação de antes.

Onde foram parar nosso diálogos, nossas loucuras e nossas contas telefônicas estratosféricas? Não sei e aposto que você também não sabe. Aposto que ninguém sabe. Estranho pensar nessas coisas. Estranho pensar em você sorridente no passado e te ver muda e inexpressiva hoje. Estranho achar estranho nosso relacionamento, quando antes eu o achava perfeito.

O que fazer? Pedir ajuda? A quem? A você? Você está tão perdida quanto eu, minha jovem: isso é fato.

(silêncio...)

terça-feira, 15 de julho de 2008

Dois lados - O lado dele

Estava entediado. Nenhum livro novo pra ler, computador quebrado e uma manhã inteira assistindo televisão. Sentia-me um prisioneiro dentro de casa. Repentinamente em um desses arroubos que nos acometem inesperadamente levantei-me e sai de casa. Não suportava mais aquela quietude fúnebre. Sai sem destino e sem ter idéia do que procurar fora de casa, além da sensação de não estar em casa.

Incrível como eu pude passar a manhã toda deitado no sofá assistindo televisão mudando de canal e reclamando da vida. Estava um dia muito bonito. Repassei mentalmente algumas coisas que eu faltavam em casa e decidi que iria fazer pesquisa de preços. Assim passei a tarde toda entrando de loja em loja e olhando preços, até que essa tarefa deprimente me cansou. Estava indo para uma lanchonete comer alguma coisa antes de ir para casa quando começou um temporal, absurdo.

Em questão de segundos a chuva tomou conta de tudo. Corri para debaixo de um toldo em busca de abrigo, algumas pessoas chegaram junto comigo e começaram a reclamar e xingar. Eu apenas ri. O que mais se pode fazer numa situação dessas? Foi então que chegou uma garota linda. Sem esperar muito tempo procurei puxar conversa tentando parecer espontâneo:

- Como pode, né? Estava tão claro agora há pouco.
- Pois é. Quem diria que ia chover.
- O bom é que quando é forte assim passa logo.
- Ahan...
- Bem, enquanto não passa vou entrar ali naquela lanchonete pra tomar um café.
- Então tá...
- Aceita um café?
- Não, obrigado.
- Tá, o café é o de menos. Não quer ir para um lugar onde vente menos? Lá pelo menos é coberto.

Ela aceitou. Magrinha daquele jeito devia estar morrendo de frio. Chegando na lanchonete nos sentamos e conversamos bastante. Ela tinha um sorriso lindo, não conseguia deixar de reparar no quanto o sorriso dela era lindo, tanto que procurei fazê-la sorrir o tempo todo só para ver aquele sorriso iluminando aquele dia que até então estava sendo péssimo. A chuva passou e continuamos sentados. Conversando e rindo.

Quando começou a escurecer ela precisou ir embora. Ela morava num prédio longe da minha casa, mas a companhia era tão agradável que nem me importei em acompanhá-la. Lá chegando ela me convidou a subir. Neguei para não parecer muito afoito. Inventei uma desculpa qualquer e peguei o número do celular dela. Iria ligar no dia seguinte ou dois dias depois, para parecer despretensioso. Ela subiu e eu fui embora. Duas quadras depois fui assaltado. Levaram minha carteira e meu celular, junto com o celular foi-se embora o telefone dela.

Dois lados - O lado dela

Nunca esquecerei a situação em que nos conhecemos. Eu precisava comprar um sofá novo pra minha casa e, como o dia estava claro, decidi sair para olhar as vitrines a pé mesmo. Caminhar, espairecer e gastar. Eu usava uma blusinha branca de alcinha e um jeans coladinho, estava bem básica.

Então sai por aí caminhando e olhando vitrines. Acho que só olhei sofás mesmo por uma meia hora, porque lembro de ficar deslumbrada com alguns vestidos que vi nesse dia. A sensação que eu tinha era de euforia, alegria, liberdade. O céu estava limpo, de um azul fascinante. Passei a tarde toda caminhando pelas lojas da cidade e, assim empolgada, nem percebi que o céu fechou repentinamente. Chuva de verão.

Uma chuva forte e impiedosa preencheu tudo e desapareceu em poucos minutos. Enquanto chovia, fui obrigada a me abrigar embaixo de um toldo, e lá estava ele também. Sorridente, charmoso. Ria da própria impotência ante a chuva inesperada. Quando cheguei tratou logo de puxar conversa:

- Como pode, né? Estava tão claro agora há pouco.
- Pois é. Quem diria que ia chover.
- O bom é que quando é forte assim passa logo.
- Ahan...
- Bem, enquanto não passa vou entrar ali naquela lanchonete pra tomar um café.
- Então tá...
- Aceita um café?
- Não, obrigado.
- Tá, o café é o de menos. Não quer ir para um lugar onde vente menos? Lá pelo menos é coberto.

Pareceu uma ótima idéia, já que eu estava de camisa branca. Problemas femininos. Fomos para a tal lanchonete e lá, com certa descontração, Klaus conseguiu prender minha atenção. Acabei descobrindo a pessoa maravilhosa que ele era, tanto que a chuva passou e continuamos os dois sentados à mesa. Conversando e rindo.

Foi um fim de tarde ótimo. Ele me deixou no prédio onde eu morava, eu o convidei a subir e ele declinou. Disse que tinha um compromisso que não podia adiar. Pediu meu número de telefone e foi embora. Nunca me ligou, mas até hoje eu me lembro do sorriso dele. Engraçado como essas coisas acontecem, ele se tornou minha paixão platônica e eu só o vi um dia na minha vida, há dois anos.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Tempo perfeito

Sabe, eu tenho essa tendência nata a complicar as coisas. O raciocínio metódico é inerente à minha pessoa. Penso, analiso, calculo, repasso. Faço tudo isso em busca de um resultado não apenas satisfatório, porque de resultados satisfatórios são feitos os homens comuns. Eu busco a perfeição, porque tenho a ambição de alcançar a excelência. Sim, é um anseio deveras ambicioso, mas, por favor, não confunda minha ambição com ganância. São coisas que, se analisadas a fundo, podem ser completamente díspares, e acredito ser esse o meu caso.

Você deve estar se perguntando o porquê de tantos preâmbulos e eu direi agora. Tenho protelado o momento de tomar uma atitude de verdade ao que você tem considerado como "nós". A verdade, é que não existe "nós". Essa junção de duas pessoas em uma só é uma invenção patética dos românticos frustrados do passado. Veja bem, estou explicando o que, para mim, seria o "nós", e ele seria justamente isso: romantismo frustrado. Analisei a fundo essa questão e, depois de tanto pensar, firmei os pés no chão e cheguei à conclusão que tanto para mim, quanto para você deve haver um "eu e você", confesso que chega a parecer uma coisa monstruosa para a maior parte das pessoas, acostumadas a filmes água-com-açúcar veiculados por nossos meios de comunicação que tornam as pessoas cada dia mais acéfalas. Oh, desculpe-me, mas a televisão me enerva.

Bem, quando eu digo que deve haver dentro de um relacionamento o "eu e você", quero dizer que nosso relacionamento é feito por dois indivíduos diferentes, que podem pensar de maneira diferente e tomar decisões individuais. Acho que essa é a solução ideal. "Nós" é muita gente, "eu e você" somos dois indivíduos distintos.

Assim refletindo cheguei também a algumas conclusões no que tange a questões temporais. Eu e você somos duas pessoas com projetos de vida que tendem a serem construídos em torno de um pilar comum, nosso bem estar. O porquê disso? Certamente porque nos conhecemos o suficiente para nos querermos bem, e essa é uma questão que segue unicamente uma lógica passada. Por que eu haveria de gostar de quem você poderia ou não ser? Não tenho essa pretensão futura. Tenho um sentimento construído no passado e nenhum plano pro futuro. Não, não me olhe assim de maneira tão exasperada, não quero comunicar que pretendo terminar o relacionamento, muito pelo contrário, acredito que a conclusão a que cheguei é muito mais interessante do que esse pensamento comodista de quem pensa no futuro.

Os amantes que pensam no futuro fazem planos para futuro, fazem juras de amor eterno e essas outras baboseiras que no final se tornam apenas palavras ao vento. Oras a eternidade é por demais longa e eu tenho quiçá mais uns quarenta anos pela frente. Não, não possuo a eternidade, e ainda se a possuísse enlouqueceria, o momento de vida humano é breve para ser vivido em sua intensidade, e aí chegamos ao ponto que eu queria. Intensidade. Não te prometo amor futuro, porque do futuro eu não sei. O que posso te prometer é o melhor tempo que eu tenho na minha vida: o agora.

Concorda que se vivermos o agora, sem a esperança de um futuro, cada segundo nos parecerá muito mais precioso do que a eternidade que as pessoas prometem como se realmente a tivessem? Então, o que te prometo é o agora, porque agora estou aqui, agora só quero você, agora esse seu sorriso me conquista, porque agora te amo. É tão simples, não sei porque compliquei durante tanto tempo.

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Klaus e Flavinho

Momento inescrupuloso – Parte I

O primeiro tempo do jogo acabou e eu ainda estava divagando, pensando qual seria o motivo para Mariane ainda não ter chegado à casa da Penélope. O Flavinho me cutucou no braço e eu levei o maior susto.

– Tá tudo bem, Klaus? Você tá tão calado.
– É falta de cerveja, pega uma lá pra mim.
– Pega você, seu folgado.

Dei um cascudo nele.

– Deixa de ser mal-agradecido, rapaz.
– Agora que eu não pego mesmo.
– Deixa você me pedir cerveja de novo, pra você ver.
– Tá bom, tá bom. Tô indo...

Ele saiu. Eu levantei, dei aquela espreguiçada, como se estivesse sentado ali por séculos, depois fui pegar uma carne de sol na mesa, perto do Seu Dorival e da Dona Isadora. O Flavinho voltou com a latinha de cerveja aberta e bem mais leve do que deveria estar.

– Aqui, Klaus, a cerveja que você deixou lá na cozinha. Vê se não desperdiça.

Aquele moleque sempre foi uma figura, mas aquela superou todas. Eu não agüentei e comecei a rir. Seu Dorival me olhou daquele jeito meio desconfiado.

– Tá rindo do quê?
– Olha quem tá preocupado com a cerveja. Não toma nem leite direito e vem me dar lição de moral pra não desperdiçar cerveja.
– Flavinho, vai lá dentro e traz uma pra mim também.
– Toma essa aqui, Seu Dorival. Tá geladinha, eu tô meio empapuçado.
– Tá bom.
– Flavinho, vamos comigo na casa da Juliana?
– Ela não tá vindo pra cá?
– Tá, mas o Henrique me ligou pedindo pra ir lá ajudar eles a arrumar umas coisas, mas não disse o que era.
– Posso ir, pai?
– Se quiser ir, vai.
– Beleza.

Sai, passei na geladeira, peguei duas latinhas e entrei no carro com o Flavinho. Sei que eu não devia fazer o que eu estava fazendo, mas o Flavinho era gente boa demais e ao fazer isso eu pelo menos controlava o quanto ele bebia, do contrário ele bebia escondido até ficar bêbado como no dia do casamento de uma prima deles. A sorte dele foi que eu vi antes de todo mundo e o enfiei dentro do meu carro às escondidas. Deixei-o dormindo e voltei pra festa. Quando senti que Seu Dorival estava querendo ir embora e estava procurando por ele, voltei no carro e o acordei. Ele ainda teve a capacidade de vomitar lá dentro.

Enfim, entramos no carro e quando dei a partida ele abriu a cerveja e deu um gole. Eu o repreendi porque ele só deveria fazer isso quando estivéssemos longe da casa dele. Duas quadras depois parei o carro e ficamos lá dentro conversando.

– Quê que o Henrique quer?
– Não quer nada, seu Mané. Te trouxe aqui pra você tomar essa última cerveja, hoje. Estamos entendidos?
– Ah, Klaus. Só mais essa?
– Enquanto teu pai não liberar, eu te encubro, mas tem que ter limite.
– Mas eu já tenho dezesseis anos!
– É um problema seu com seu pai, além do mais até onde sei é proibido menor de idade beber.
– Por que você me dá bebida então?
– Porque se eu não der você vai beber escondido, e nós dois sabemos que você não tem limites.
– Ih, essa história de novo.
– É essa história de novo, seu Zé Ruela. Foi dose voltar pra casa com a tua prima e o carro cheio de vômito sem poder explicar o quê que era. Eu tive que culpar o Henrique e depois disso, ela ficava no meu pé toda vez que eu saia com ele. Tudo isso pra você não levar uma surra.
– Pô, valeu.
– Valeu uma pinóia. Você me deve sua alma, caramba.

Fez cara feia, porque sabia que era verdade. Eu o chantagearia eternamente por causa daquilo, muito embora até o momento estivesse sendo extremamente condescendente com ele e só o chantageasse para protegê-lo da própria sede insaciável.

Liguei para o Henrique para que passasse onde estávamos antes de ir para a casa da Penélope. Chegando juntos não haveria o incômodo de explicar porque fomos à casa da Juliana e voltamos separadamente.

Diversão inescrupulosa – Parte I

Ficamos tomando a cerveja, ambos calados. Até que o Flavinho falou uma besteira qualquer e eu discordei dele só para irritá-lo. O Flavinho era muito engraçado quando ficava nervoso. Começava a falar coisas desconexas e por fim ficava calado durante um longo tempo para depois, quando pensávamos que o assunto já estava encerrado, recomeçar a falar. Só que ele recomeçava a falar igual uma metralhadora quase sem recuperar o fôlego até que se esgotava e calava-se novamente dando tudo por encerrado, sem aceitar que tocassem no assunto novamente. Uma figura ímpar.

Depois de discordar dele ele começou a falar e falar e não falava nada com nada, até que o carro do Henrique apareceu na esquina com toda aquela velocidade de tartaruga maratonista, como sempre. Ele parou o carro dele ao lado do meu, olhou para o Flavinho todo emburrado e depois olhou pra minha clássica cara cínica. Balançou a cabeça e começou a rir.

– Vocês dois não mudam nunca. Vamos.
– Vai na frente aí que eu vou seguindo atrás. Se eu for na frente você vai chegar lá no final do segundo tempo.

Ele arrancou o carro e nem se deu ao trabalho de me responder. Odiava quando falavam da forma como ele dirigia. Quase que automaticamente incorporava o Airton Senna e saia ziguezagueando os carros mais lentos.

Eu havia olhado dentro do carro de maneira discreta, mas não vi a Mariane lá dentro nem a Juliana, o que achei ainda mais estranho, já que ela e o Henrique eram unha e carne, e a Juliana era Flamenguista fanática

Liguei o carro e segui em direção à casa da Penélope, andando a quase vinte quilômetros por hora. Flavinho ao invés de encerrar a discussão de sua maneira particular, resolveu tentar me importunar.

– Você fala do Henrique, mas é pior que ele.
– Olha quem resolveu falar. É o Emburradinho da Estrela. Conhece o Emburradinho da Estrela, Flávio?
– Vai te catar.
– Hahaha... Calma, Flávio. Calma! Eu tô indo devagar porque Vossa Excelência ainda não terminou a cerveja.
– Ih, nem lembrava.
– Toma mais um gole e me dá aqui. Pode ser?
– Pode, eu já tô cheio mesmo.

Ele bebeu mais um gole da cerveja e me deu a latinha, só então comecei a andar a uma velocidade compatível com a via. Indiquei a ele umas pastilhas de menta que estavam no porta-luvas havia pelo menos três meses, sem, é claro, revelar este pequeno detalhe.

– Gosto estranho. É de quê?
– Menta arábica. Sabor novo no mercado.
– Quer uma?
– Ah, não. Obrigado. Vai deixar a cerveja com gosto diferente.
– Tá bom.
– Pode ficar com as pastilhas pra você.
– Pô, valeu Klaus.

Liguei o som e logo chegamos à casa dele.

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Cretino conquistador

Ela sempre foi muito bonita, isso eu não tenho como negar, foi assim que a conheci: tentando conquistá-la. Ela estava em um vestido preto que mostrava o corpo esguio e aquele busto fenomenal. Estava conversando com uma senhora de uns quarenta anos excessivamente bem vestida para a ocasião e com uma maquiagem que parecia inspirada em bailes de carnaval. Aproximei-me com um copo de uísque na mão.

– A festa está bem animada, não acham?

Ambas me olharam com desdém e voltaram a conversar como se eu não estivesse ali. Eu fingi que aquilo não me abalou.

– É... nem todo mundo está animado. Frigidez é um problema sério. Tchau, minhas queridas.

A senhora fingiu que não era com ela, mas Mariane não resistiu. Ofendeu-se. Eu já estava virando de costas e saindo quando ela falou:

– Tchau, palhaço.

Voltei, abri o sorriso mais cretino que uma pessoa consegue simular e olhando nos olhos dela disse:

– Pelo menos você viu alguma graça em mim, já eu não posso retribuir a afirmação.

Sai sem esperar resposta e ela ficou sem reação. Ela sabia que era linda e ouvir de um homem que ela não o atraía era como uma bomba que seu orgulho não seria capaz de suportar.

Continuei: bebi, dancei e flertei com várias mulheres. A festa estava realmente bastante animada e cheia de mulheres bonitas. Dancei um xote com uma das mulheres mais bonitas da festa – minhas aulas de forró estavam realmente surtindo efeito. Ao fim da música eu pedi licença, fui ao banheiro e de lá ao bar, pra pegar uma água tônica. No caminho, Mariane me puxou pelo braço.

– Você é sempre assim?
– Assim como?
– Sem educação.
– Só quando a ocasião pede.
– Olha... foi mal, me desculpe mas eu estava já estava nervosa com o papo chato daquela senhora.
– Tudo bem, agora com licença.
– Ei, você vai aonde? Estamos conversando.
– Ah, estamos? Eu pensei que o assunto havia encerrado.
– Prazer meu nome é Mariane.
– Klaus.
– Nome diferente.
– Meu pai sempre achou bonito. Não gosto muito dele, mas como não tenho outra opção, acabo aceitando.
– E então, Klaus. De onde você conhece o Henrique.
– Estudamos juntos na faculdade. Ele comprava os trabalhos dele de mim, sabe.
– Que horror.
– O quê?
– Você colaborar com isso: vender trabalhos universitários.
– Só isso? Eu vendo até hoje. É um dinheiro fácil que eu não dispenso de forma alguma.
– Um absurdo isso.
– Deixa pra lá. E você de onde conhece o Henrique?
– A Juliana é minha prima.
– Ah, a Juliana é sua prima?
– É sim.
– Que interessante.
– Por quê?
– Porque a Juliana é praticamente minha vizinha. Somos muito amigos e ela freqüenta bastante a minha casa. Aliás, fui eu quem fez as apresentações dos dois. Engraçado eu nunca ter te visto por lá.
– Bem, não somos extremamente amigas. Somos primas e só. Ela me chamou pra vir à festa hoje porque minha mãe passou na casa dela e eu fui junto. Como não nos víamos há muito tempo me chamou pra festa.
– Ela e o Henrique são perfeitos, não? É o casal mais bacana que eu conheço.
– Nossa que termo.
– O quê?
– Bacana...
– O que tem?
– Tão... chulo.
– É meu jeito, se não te agrada...
– Você é sempre assim?
– Assim como?
– Sem educação.
– Só quando a ocasião pede.

Achei que a conversa deveria terminar ali mesmo e fui saindo, ela segurou meu braço novamente e me puxou de volta.

– Você é tão bonito, por que age desse jeito?
– Por que não agir desse jeito?

E fiz novamente o sorriso cretino. Aliás, esse sorriso cretino é minha marca registrada. Um sorriso de canto de boca com os olhos meio apertados: um charme só. Ela aparentemente ficou horrorizada com a resposta que porque soltou meu braço e ficou com aquele olhar vago, fixando o vazio. Acho que ficaria assim por um minuto inteiro se eu não tivesse intervido.

Aproximei dela, segurei seu rosto com uma mão enquanto colocava a outra na sua cintura. Ela pareceu despertar com um choque e assustar-se, mas não reagiu. Apenas me olhou. Eu olhei seus olhos, sua boca, aproximei meu rosto, puxei o corpo dela contra o meu e parei. Nossos lábios estavam bem próximos.

– E agindo assim, eu agrado?

Foi então que nos beijamos. Um beijo demorado e lento. Um beijo apaixonado. Enquanto a beijava eu acariciava seus cabelos e passava a mão por suas costas. Que pele macia, que cabelos maravilhosos. Acho que nunca vou esquecer a sensação que foi nosso primeiro beijo. Uma sensação deliciosa que sinceramente, nunca mais experimentei desde então.

Terminado o beijo permanecemos abraçados, nos olhando em silêncio. Estávamos nos admirando por alguns momentos. Ela era realmente linda e tinha um jeito muito carinhoso.

– Então...
– Então o quê?
– Isso é porque você não viu graça nenhuma em mim?
– Você viu em mim, isso me basta.
– Você é muito cheio de si.
– Eu transbordo egocentrismo.
– Percebi.
– E aproveitou também.
– Jesus amado, você não consegue deixar de ser assim nem um instante? – disse sorrindo.
– Assim como, sem educação?
– Não. Convencido.
– Ah, eu achei que eu era sem educação. Você muda de idéia muito rápido.

Ela sorriu. Pediu licença, disse que voltava e saiu em direção ao banheiro. Eu olhei o relógio, fui até a saída e pedi ao manobrista que trouxesse meu carro. Voltei à festa para me despedir do Henrique e da Juliana. Retornei à saída onde meu carro já estava esperando, dei uma gorjeta ao manobrista e fui embora.

terça-feira, 20 de maio de 2008

Tempos apaixonados, tempos apaixonantes

Ontem eu me peguei pensando nela novamente. Dizer isso soa muito engraçado porque não existe ELA especificamente, compreende? Acho que estou vivendo novamente um daqueles momentos mutantes da vida, onde nos pegamos nostálgicos. Relembramos tudo de bom que nos aconteceu e começamos a pensar e pensar e pensar. Assim pensando, pensando e pensando acabamos sentindo saudades.

Ontem eu estava com saudade dela. Daquele friozinho na barriga, daquela euforia desmedida e aparentemente sem sentido de todas as manhãs. Esperança, euforia, decepção, frustração, mais esperança, alegrias, encantos e desencantos. Olhares, sorrisos, lágrimas, mais sorrisos, mais lágrimas, espinhos, pétalas, flores, cores, odores e temores.

Quanta coisa se viveu. Tanta coisa boa, tanta coisa ruim. No final ficam as lembranças, o aprendizado e a maldita saudade. Nós nos esquecemos de tudo, mas um dia a saudade bate e traz à tona tudo que se viveu e a vontade de viver tudo de novo, e nessas horas, no anseio de se reviver, as lembranças se misturam às fantasias, aos desejos e acabamos sentindo saudade até mesmo daquilo que não vivemos, porque também sentimos saudades dos sonhos que aparentemente morreram.

Sonhos são lindos, são maravilhosos e traiçoeiros. Nunca acredite que um sonho morreu. Ele se transforma, metamorfa, se maquia e é maquiavélico. Quando menos esperamos eles voltam pra nos assombrar, de sonhos se transformam em fantasmas. Frustração mal trabalhada, sabe? Faz parte da vida acontece comigo e com certeza acontece, aconteceu ou acontecerá com você. Paciência, não se morre dessas coisas e se formos espertos o bastante ainda conseguimos transmutar esses fantasmas de volta em sonhos. Isso é viver.

Sinto saudades da paixão. Sinto saudades de estar apaixonado. Sinto saudades dos meus sonhos. Sinto medo dos meus fantasmas... e eles sentem medo de mim.

sábado, 10 de maio de 2008

Simplicidade envolvente

Estávamos abraçados. Era noite e estávamos abraçados olhando pela janela, as luzes apagadas, e eu sentia o cheiro dela enquanto o aparelho de som preenchia o ambiente com aquele trip hop relaxante.

Eu fechava os olhos e sentia a textura da pele dela. Lisa, macia, tentadora. Até então a noite havia sido perfeita. Um bom jantar, um bom vinho, sorrisos, abraços, beijos e sexo apaixonado. Não importa quantas vezes você fez sexo na sua vida, quando se faz com sentimento sempre parece ser a primeira vez.

Mordi levemente a orelha dela. Ela passou a mão pelo braço que a apertava contra meu corpo.

- O que faremos agora?
- Não sei. Sei que está sendo muito bom.
- Não me imagino mais sem você.
- Nem eu me imagino sem você. Sem esse abraço, sem esse sorriso...
- Mas você tem que ir embora e eu não posso ir junto.
- Ah, não, amor. Vamos aproveitar o nosso tempo...

Dito isso, virou-se, colocou seus braços em volta do meu pescoço e me beijou.

- Para de pensar nisso, a gente vai dar um jeito.

Simples. Fácil. Tudo para ela parecia ser assim. Ela parecia não se importar com os meandros dos caminhos da vida, com os obstáculos impostos pelo destino. Fascinante essa visão da vida. Uma linha reta: simples e sem interferências. Uma visão tão fascinante quanto perigosa. Não posso negar que fui seduzido por tudo nela, desde sua beleza até sua forma simplista de ver a vida.

Beijei-a de volta, abraçando-a firmemente. Parei e, olhando dentro daqueles olhos encantadores, não pude pensar em outra coisa, além da felicidade de se viver o agora.

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Timidez Subserviente

Era um rapaz bem apessoado, como diziam por aí antigamente. Dir-se-ia até mesmo bonito. Alto, porte atlético, dentes alvos e de um cuidado com a aparência beirando o exagero. Distinto, bem arrumado, inteligente, atlético; Fernandinho tinha apenas um problema: era extremamente tímido. Conquistava qualquer garota com um olhar ou um sorriso, mas bastava que uma pequena se aproximasse dele para que tudo ruísse.

Seu péssimo desempenho com as palavras quando enfrentando a situação do galanteio rendeu-lhe a fama de sangue de barata. Fernandinho engolia seco e nada dizia, porque no fundo sabia que merecia a indesejada alcunha. Incomodava-o o apelido quase tanto quanto o embaraço no trato com as mulheres.

Certo dia, em casa, resolveu tomar uma atitude e por-se a galantear todas que aparecessem em sua frente, até sentir que tinha naturalidade suficiente durante uma conversa banal sobre um assunto qualquer, tendo como meta a conquista. Treinava o cortejo, gestos e ensaiava diálogos dos mais desbaratados. Quando sentiu-se seguro seguiu para a rua e tentou colocar em prática o que havia treinado.

Desengonçado e acanhado, Fernandinho abordava as transeuntes. As faces ruborizadas ardiam num fogo de pudor e cautela inimagináveis em qualquer outra pessoa. Essa atitude defensiva e subserviente servia de pedestal para as mulheres que prontamente o ignoravam, isso quando não o destratavam. Essa onda avassaladora de negativas e humilhações fez com que no peito de Fernandinho crescesse uma revolta hedionda para com a vida.

Triste, ultrajado e macambúzio, Fernandinho retirou-se para a proteção de seu lar, sem imaginar que levaria consigo as ofensas recebidas na rua. Essas manifestações indignas do poder feminino ante um homem de atitude condescendente acumularam-se e cresceram a tal ponto que dominavam agora os pensamentos do pobre rapaz. Desesperado ante a rejeição geral e desejoso de um dia conseguir ter um relacionamento qualquer que fosse com uma garota, perdeu o controle de suas faculdades mentais e mergulhou em um estado de morbidez obtuso.

Passou horas largado sobre o sofá, olhando para um ponto fixo. Quase uma estátua. Subitamente num estalo recobrou a consciência, levantou-se afoitamente e dirigiu-se ao quarto. Lá dentro, abriu o criado-mudo de onde tirou o revólver. Encostou-o em sua fronte e puxou o gatilho.

Um disparo seco, seguido de um baque. A queda de um corpo inerte. Fernandinho, 21 anos, morrera virgem.

Beira de estrada

Exausto. Eu não tenho outra escolha, deveria parar o carro em algum lugar e dormir. O problema é que não vi sinal de civilização nos últimos 100Km. Decisões. Odeio tomar decisões. Continuar até encontrar algum lugar habitado, ou parar na beira da estrada e dormir dentro do carro? As duas opções têm riscos: ambas são perigosas. Posso dormir no volante enquanto procuro algum lugar pra dormir, assim como posso parar o carro e dormir para nunca mais acordar se algum carro me acertar a 120Km/h.

Indeciso sobre que decisão tomar, consulto o relógio e o odômetro. 23:47h, 423.5Km. Não sei se penso que estou há 5 horas sentado e com os braços esticados, ou se penso que estou há 400Km do último posto onde abasteci o carro. Não sei se penso que ainda falta praticamente um dia até chegar em Brasília, ou se penso já faz quase dois dias que deixei Rio Branco. Não sei se penso na vida que deixei pra trás, ou se penso no maldito futuro que me espera quando chegar ao meu destino. Os reencontros: as pessoas que perdi, as pessoas que me perderam, as pessoas que amei e que odiei, e as pessoas que me amaram e me odiaram. Tanta coisa, tantos pensamentos, um cansaço absurdo e eu preciso tomar outra maldita decisão. As coisas nunca foram fáceis. Na verdade nunca são e se algum dia estiverem prestes a se tornarem fáceis, sempre vai aparecer um filho da puta pra fuder com tudo e dificultá-las novamente.

Imerso em meus pensamentos quase não notei que ao longe surge uma cidade. Bem, pela quantidade de luzes eu imagino um amontoado de casebres com pessoas feias, fedidas e que se acham infelizes. Se elas morassem numa cidade grande saberiam o que é ser realmente infeliz, talvez algum dia eu escreva sobre isso.

Continuo dirigindo e divagando até chegar à cidade: Reidinópolis. Ruas desertas, um bêbado dormindo na praça. Engraçado, eles têm até uma praça. Cachorros, gatos, grilos e sapos fazem sua sinfonia noturna. Como eu bem esperava o lugar não tem um hotel onde passar a noite, se tem fica muito bem escondido. Rodando pela cidade eu encontro um posto policial, ou uma delegacia, ou o que quer que seja da polícia e decido descer e bater pra tentar obter alguma informação.

Tudo escuro. Os policiais estão dormindo. Engraçado pensar que eles deveriam estar acordados e estão dormindo, enquanto eu deveria estar dormindo e estou aqui acordado tentado desinverter os papéis. Bato insistentemente até que uma luz se acende. Um sujeito abre a porta e eu tenho a ligeira impressão que pegaram o Severino Cavalcante e colocaram uma roupa de policial nele.

- Boa noite.
- Quê que foi, aconteceu alguma coisa?
- Não, senhor, eu só quero uma informação.
- Nossa, isso é hora de pedir informação.
- Bem, eu vinha pela estrada e estou precisando descansar um pouco. Tem algum hotel na cidade?
- Não, não tem hotel aqui não.
- Poxa, onde é que eu posso passar a noite?
- Dorme dentro do carro embaixo de alguma árvore. A cidade é tranqüila, não vai acontecer nada.
- ...
- Boa noite.
- Ahn... será que não tem como eu dormir aí dentro não.
- Só se for no xilindró, rapaz! Agora xispa que eu tô querendo dormir.
- ...
- Anda, anda... circulando.

Me viro, entro no carro e estaciono na árvore em frente à delegacia, ou posto, ou sei lá que diabos que é. Espero uns trinta minutos, desço do carro e esvazio os pneus da viatura. Cago na porta, volto pro meu carro, o ligo e vou-me embora. Melhor dormir na estrada, ficar perto de certas pessoas me cansa.

terça-feira, 8 de abril de 2008

Livros

Andei pensando em você, sabe. Na verdade, andei pensando em nós. Sei que ainda não existe um "nós", e sei muito bem que poderá não existir, mas é como eu digo aos quatro cantos do mundo "eu sou um idiota romântico". Pensar em "eu e você" sem um "nós" me deixa meio confuso das idéias, então por isso me atrevo a declarar que estive pensando em nós, e pensando em nós pensei na dissintonia, na desarmonia, no destom, na disparidade, ou qualquer outra palavra que você prefira para definir nossas diferenças. Sei que sou diferente de você, sei que sou diferente das pessoas que você conhece, na verdade sei que sou diferente de muita gente. Estou acostumado com minhas diferenças e aprendi a lidar com as diferenças alheias, do contrário não teríamos nos conhecido, eu teria virado um eremita. A verdade é que com o passar dos anos, vivendo intensamente minhas decepções, assim como eu vivo intensamente tudo que há para se viver, eu aprendi que as pessoas são como livros. É possível ler as pessoas, e cada uma delas tem uma história pra contar. Ouso até dizer que cada uma delas tem histórias para contar, e cada história tem sua própria história. Somos um emaranhado complexo de divagações, experiências, vontades e frustrações, e cada mistura dessas sensações, em proporções mesmo que ligeiramente diferentes, nos dá uma nova história. O prazer de nos relacionarmos com as outras pessoas é confuso, porque ao mesmo tempo em que queremos saber, viver e sentir intensamente cada história contada nesse livro queremos também nos tornar co-autores e ajudar a escrever a história que ainda não aconteceu. Queremos escrever a história da vida das outras pessoas, e ao mesmo tempo queremos que essas pessoas nos ajudem a escrever a história das nossas vidas. Parceria e companheirismo. Sincronia. Para mim você tem se mostrado um livro fechado, lacrado, inatingível, inalcançável. Você me permite ver a sua capa, apenas, enquanto eu me abro por inteiro e me deixo ser folheado. Se quisesse entregaria agora mesmo uma caneta e permitiria que você escrevesse seus capítulos na minha vida, mas só faria isso se deixasse eu ler um pouquinho que fosse da tua história.