terça-feira, 19 de agosto de 2008

Felicidade

Stanley era um sonhador. Iludido pelo sonho de ser feliz, via em todos os caminhos impostos pela vida algum desígnio do destino para que ele entrasse no caminho correto que o levaria à felicidade.

Costumava acordar de bom humor e via em todos um leve vislumbre do que seria uma parte da felicidade. Estava convencido de que quando a encontrasse não seria aos pedaços, mas sim completa e intacta. Ele acreditava em felicidade parcial, aquilo que comumente conhecemos como momentos felizes, para ele eram apenas uma parte da felicidade que nos seria possível alcançar, mas que rapidamente se desfazia porque a felicidade quando não é completa tende a se dissipar nas agruras da vida.

Essa forma de pensamento levou Stanley a viver em sua vida uma procura incessante e incansável pela felicidade. Durante os trinta primeiros anos de sua vida fora guiado por um positivismo inigualável e alcançou sucesso em quase tudo que fez. Um ótimo salário em um trabalho invejável, o amor de uma bela mulher com a qual casou-se ainda jovem e a conquista de todos os sonhos de consumo que uma remuneração alta poderia proporcionar. Stanley tinha em mente que só seria feliz se o fosse por completo e em todas as esferas da sua vida.

No ano em que completou trinta e um anos de idade Stanley começou a se perguntar porque ainda não conseguira ser feliz. Tinha uma bela casa, uma bela esposa que o amava, estava sempre com o carro do ano e sua carreira estava em plena ascenção. O problema é que nunca, em nenhum momento, todas áreas da sua vida estiveram plenamente bem ao mesmo tempo. Quando o trabalho estava bem, acontecia alguma briga com a esposa e vice-versa.

Houve um único dia em que estava num excelente momento com sua esposa, chegando no trabalho fechou um negócio espetacular que rendeu-lhe uma promoção. Decidido a ir comemorar com a esposa pediu para sair mais cedo da empresa e, chegando ao estacionamento, seu carro não estava mais lá: havia sido roubado. Adicionalmente enquanto estava na delegacia fazendo o boletim de ocorrência sua mãe liga informando que o irmão havia sofrido um acidente de moto. Sua felicidade completa durara apenas alguns minutos.

Desde então Stanley passou a se perguntar o que era a felicidade e por que ele não conseguia ser feliz. Mergulhou em uma depressão profunda. Triste, seu trabalho já não rendia mais e começou a cometer deslizes que o levaram a uma demissão. Desempregado e à procura da resposta para o motivo de sua falta de felicidade perdeu a esposa e a vontade de viver.

Se patrimônio foi aos poucos dilapidado pelos credores e Stanley terminou seus dias deitado em um beco fétido, brigando com outros mendigos por um pedaço de carne podre. Em uma dessas brigas acabou sendo esfaqueado mortalmente. Enquanto agonizava, o sangue jorrando pela boca, Stanley vislumbrou seu passado. Então sorriu e, sentindo-se realizado, pensou: "eu era feliz e não sabia".

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Tempo errado

Aconteceu hoje de novo, sabe? Aconteceu de novo. Eu fico tão mal quando acontece, tão mal, mas isso sempre se repete. Todo dia alguém me vê e pergunta por você. E eu não me chateio por perguntarem, as pessoas não têm culpa de não saber. O que me enerva é que perguntam por você e eu respondo que não sei e daí eles encaixotam a discrição e o bom-senso e sempre perguntam com um ar fingidamente chocado se a gente terminou e eu respondo com o silêncio, talvez um aceno breve de cabeça, mas sempre em silêncio. E então eles começam a discursar sobre como éramos um casal bonito e feliz e, poxa, que pena que não estamos mais juntos, mas desejam que eu fique bem, essas coisas passam e logo eu vou encontrar outra pessoa - às vezes soa como "vá em frente, amigo, não morra, você consegue viver sem ela", como se eu estivesse morrendo de uma doença galopante por você ter me deixado. Outra coisa que me chateia é que quando eles perguntam por você imediatamente me pergunto por você também, porque assim como eles eu não faço a mais pálida idéia de por onde você anda. Ah, não, não me chateia não saber de você, me dá raiva por querer saber. Porque antes eu ainda tinha aquela coisa boba e dolorida de guardar os momentos bons, sabe? Antes ainda tinha aquela coisa de lembrar do dia ensolarado no parque ou qualquer coisa que eu tivesse como feliz na nossa história. E depois veio o tempo da amargura, o tempo de lembrar de todas as infelicidades e mágoas e dores pra ver se eu te esquecia. Depois veio o tempo mais feliz, pelo menos pra mim, que era lembrar de ti apenas como um ponto de referência, sabe como? Quando eu te inseria em uma lembrança minha era mais pra me situar no tempo e no espaço, algo como "choveu naquela noite", dizer "eu estava com ela" era o mesmo que dizer "foi um dia de calor absurdo". E agora eu acumulo todas as lembranças, boas e ruins, consigo me lembrar de cada gosto, de cada gesto, e agora sim eu pareço estar morrendo de uma doença galopante, porque antes não tinha isso de me perguntarem por você todos os dias. Engraçado, sabe do que me lembrei agora? Me lembrei que isso também me chateava no início de tudo, quando ainda estávamos "nos conhecendo e ficando ocasionalmente", passamos bem uns seis meses nessa, e as pessoas sempre me perguntavam por você e o que me dava raiva era porque de fato eu não sabia, você tinha a sua vida que não fazia parte da minha e era tão sua que eu não conseguia sequer imaginar o que você fazia quando estava longe de mim, porque estávamos apenas "nos conhecendo e ficando ocasionalmente" e eu não podia ligar só pra saber que diabos você andava fazendo. E muito embora eu soubesse que você tinha suas ocupações e não podia girar na minha órbita 24 horas por dia, meu coração apaixonado se enchia de delírios conspiratórios e sua ausência doía todas as noites, porque eu me sabia sozinho todas as noites mas não te sabia sozinha fumando um cigarro e pensando em mim antes de dormir. E aí se eu encontra alguém a primeira pergunta era sempre por você, e eu recalcado respondia "como é que eu vou saber?", ao que ouvia sempre uma piadinha na volta, algo como "é, se você não sabe, quem vai saber?". E foi assim até assumirmos o namoro, e incrivelmente as pessoas pararam de perguntar por você, justo na época que eu queria que perguntassem, porque aí eu saberia responder. Estão no tempo errado, todos eles. Dá vontade de tatuar na testa "não sei dela", pior é quando vão ao meu/que era nosso apartamento, "ah, ela não mora mais aqui", "por isso está essa zona" e por aí vai, e cada pergunta me traz uma lembrança nova, ainda mais corrosiva que a anterior, só fazendo aumentar a angústia e o tamanho da ausência. Quer saber? Da próxima vez que me perguntarem por ti, vou dizer que você morreu. De uma doença galopante qualquer. "Morreu, não é uma pena?".