quarta-feira, 23 de abril de 2008

Beira de estrada

Exausto. Eu não tenho outra escolha, deveria parar o carro em algum lugar e dormir. O problema é que não vi sinal de civilização nos últimos 100Km. Decisões. Odeio tomar decisões. Continuar até encontrar algum lugar habitado, ou parar na beira da estrada e dormir dentro do carro? As duas opções têm riscos: ambas são perigosas. Posso dormir no volante enquanto procuro algum lugar pra dormir, assim como posso parar o carro e dormir para nunca mais acordar se algum carro me acertar a 120Km/h.

Indeciso sobre que decisão tomar, consulto o relógio e o odômetro. 23:47h, 423.5Km. Não sei se penso que estou há 5 horas sentado e com os braços esticados, ou se penso que estou há 400Km do último posto onde abasteci o carro. Não sei se penso que ainda falta praticamente um dia até chegar em Brasília, ou se penso já faz quase dois dias que deixei Rio Branco. Não sei se penso na vida que deixei pra trás, ou se penso no maldito futuro que me espera quando chegar ao meu destino. Os reencontros: as pessoas que perdi, as pessoas que me perderam, as pessoas que amei e que odiei, e as pessoas que me amaram e me odiaram. Tanta coisa, tantos pensamentos, um cansaço absurdo e eu preciso tomar outra maldita decisão. As coisas nunca foram fáceis. Na verdade nunca são e se algum dia estiverem prestes a se tornarem fáceis, sempre vai aparecer um filho da puta pra fuder com tudo e dificultá-las novamente.

Imerso em meus pensamentos quase não notei que ao longe surge uma cidade. Bem, pela quantidade de luzes eu imagino um amontoado de casebres com pessoas feias, fedidas e que se acham infelizes. Se elas morassem numa cidade grande saberiam o que é ser realmente infeliz, talvez algum dia eu escreva sobre isso.

Continuo dirigindo e divagando até chegar à cidade: Reidinópolis. Ruas desertas, um bêbado dormindo na praça. Engraçado, eles têm até uma praça. Cachorros, gatos, grilos e sapos fazem sua sinfonia noturna. Como eu bem esperava o lugar não tem um hotel onde passar a noite, se tem fica muito bem escondido. Rodando pela cidade eu encontro um posto policial, ou uma delegacia, ou o que quer que seja da polícia e decido descer e bater pra tentar obter alguma informação.

Tudo escuro. Os policiais estão dormindo. Engraçado pensar que eles deveriam estar acordados e estão dormindo, enquanto eu deveria estar dormindo e estou aqui acordado tentado desinverter os papéis. Bato insistentemente até que uma luz se acende. Um sujeito abre a porta e eu tenho a ligeira impressão que pegaram o Severino Cavalcante e colocaram uma roupa de policial nele.

- Boa noite.
- Quê que foi, aconteceu alguma coisa?
- Não, senhor, eu só quero uma informação.
- Nossa, isso é hora de pedir informação.
- Bem, eu vinha pela estrada e estou precisando descansar um pouco. Tem algum hotel na cidade?
- Não, não tem hotel aqui não.
- Poxa, onde é que eu posso passar a noite?
- Dorme dentro do carro embaixo de alguma árvore. A cidade é tranqüila, não vai acontecer nada.
- ...
- Boa noite.
- Ahn... será que não tem como eu dormir aí dentro não.
- Só se for no xilindró, rapaz! Agora xispa que eu tô querendo dormir.
- ...
- Anda, anda... circulando.

Me viro, entro no carro e estaciono na árvore em frente à delegacia, ou posto, ou sei lá que diabos que é. Espero uns trinta minutos, desço do carro e esvazio os pneus da viatura. Cago na porta, volto pro meu carro, o ligo e vou-me embora. Melhor dormir na estrada, ficar perto de certas pessoas me cansa.

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