domingo, 29 de julho de 2007

Cidade Alerta - versão poética

João dos Santos, 18 anos
morador da Rocinha
matou a mãe, a avó
e alguns membros da comunidade
matou todo mundo de orgulho
quando passou na universidade.

quarta-feira, 25 de julho de 2007

A morte de William

Desesperado e sem saber para onde mais correr, William corre agora em direção ao shopping Pátio Brasil, localizado no começo da Asa Sul em Brasília.

Perdido, confuso e completamente agitado por ter escapado de uma tentativa de assalto, ele agora corre para o local mais próximo e mais movimentado. O sangue a escorrer de seu braço não é nada mais do que um corte profundo sem nenhuma conseqüência, desde que a ferida seja suturada imediatamente. Ele como auxiliar de enfermagem sabe disso, mas a visão do próprio sangue jorrando aos borbotões é de tirar do sério mesmo o mais calmo dos profissionais de saúde.

Correndo em direção ao shopping começa a sentir seu coração pulsando com mais força, calafrios se espalham pelo seu corpo e a respiração começa a ficar ofegante. William começa a sentir os efeitos do pânico, coisa que há muito não sentia. Desde que começara a trabalhar na área pediátrica do hospital sua doença praticamente havia desaparecido, as crianças haviam devolvido-lhe a alegria de viver.

Subitamente William começa a ficar tonto e seus pensamentos tornam-se cada vez mais confusos e desconexos. Lembranças de sua infância invadiam sua mente e subitamente ele pára para pensar no amanhã que não há de chegar se ele morrer, logo em seguida ele volta para o presente olha para o próprio braço e pergunta a si próprio como será o amanhã se ele de fato morrer, lembra-se da própria mãe, recém-viúva, e imagina o desespero dela ao lado de seu caixão velando o corpo do único filho.

Agora tonto demais para continuar William cai. Ele começa a chorar e soluçar e gritar alto de maneira desesperada, não é seu braço que dói, e sim seu coração. Dói imaginar a morte assombrando novamente a casa de sua mãe, o horror causado pela notícia, as inúmeras pessoas que dependiam dele direta e indiretamente, as crianças que estavam sob sua responsabilidade no hospital. E ele começa a ver todos esses rostos ao seu redor, com os olhos banhados em lágrimas e os rostos deformados pela tristeza e pela angústia, todos se perguntando: "Por que, meu Deus do céu?".

E é então que William se imagina no próprio velório e começa a crer que já está morto, que todos estão ali velando pelo seu corpo já em estado de decomposição. William desiste. Para de se debater e finalmente se deixa levar em direção às trevas que se abatem sobre seus olhos, e é assim então que William morre; de maneira covarde e sem sentido, como todas as pessoas morreram e como todas as outras ainda haverão de morrer.

quinta-feira, 19 de julho de 2007

Realização

Essa boca macia que toca meu corpo,
Fazendo essa leve pressão
Esse prazer reservado a poucos
Sentir de perto essa respiração.

Esse olhos tão profundos a me olhar
Como se você irradiasse toda por eles
E não pudesse em palavras expressar
Todos seus sentimentos de uma vez

Tudo nesse teu corpo é perfeição...
É carne, é desejo, é volúpia
Tudo que um homem deseja: pura atração...
A pura atração de uma atração impura.

Sou abençoado pelos deuses, pelo destino
Ou qualquer entidade que seja
Por te ter aqui comigo...
Tudo aquilo que um homem deseja

terça-feira, 17 de julho de 2007

Sensações estranhas

É muito estranha essa sensação estranha. Acho que é estranho sentir esta estranha sensação de estar vivenciando uma sensação estranha. Concordo que é um jeito um tanto quanto estranho, ops, um tanto quanto bizarro de começar a se explicar, mas responda com sinceridade: você já teve uma sensação estranha, certo? Então reflita comigo, não é estranho ter essa sensação estranha?

Ouso até mesmo afirmar que a sensação estranha é como um símbolo do infinito. Ela se alimenta dela mesma a partir do momento em que você se dá conta de que está sentindo uma sensação estranha, então você pensa: "Nossa que coisa estranha". Pronto, é aí que começa tudo.

Esta é a origem do meu devaneio agora: sentir uma sensação estranha é uma coisa estranha por si só e que se alimenta de sua própria estranheza. Então onde começa a sensação estranha nessa história toda?

Que coisa estranha, não?

domingo, 15 de julho de 2007

Pequena serenata noturna

__ Aonde exatamente estamos indo?
__ A uma festa.
__ E se eu não quiser ir?
__ Você vai. Está sob custódia.
__ Minha cabeça dói.
__ Eu imagino. Mas apreciei o seu ataque de hipoglicemia. Pelo menos me fez rir. Não rio há décadas.
__ Devia treinar mais. É fato que não fica tão bem assim, sorrindo. Mas seu ar de homem sério não combina. Em nada.
__ E você desacordada é extremamente gentil.
__ Não seja tão galanteador. Minha cabeça realmente dói.
__ Acontece quando se leva uma garrafada. Não devia brigar assim na rua. Ainda mais com um homem daquele tamanho. Eu jamais brigaria com ele.
__ Você parece o tipo de homem que não se mete em brigas por se saber perdedor desde o início.
__ É, talvez seja...nunca fui muito bom com músculos. Ou com olhos como os seus. Por isso não me aproximo de nenhum dos dois.
__ Mas você não devia ter deixado aquele monstro jogar aquela garrafa na minha cabeça. Devia ter sido meu herói.
__ Ah, eu rezei pra que ele não fizesse isso. Mas Deus nunca me ouviu mesmo.

***********

__ Pronto. Chegamos.
__ E onde estão todos?
__ Bom...tem uns amigos meus por aí...Johnnie, o andarilho. Jack, o esquentadinho do sul...eles gostam de ser beijados com delicadeza, não vá com tanta sede. Tem um cara ali, o Beethoven, que adora ser ouvido, mas não é muito bom no contrário, não adianta falar que ele não vai te ouvir. Vou buscar os cubanos. Esteja à vontade.
__ Você é sempre tão espirituoso assim?
__ É bom. Faz bem pra pele. E você gosta.
__ Ah, é? Como você sabe?
__ Dá pra ver nos seus olhos.
__ Você parece gostar bastante deles.
__ Não tenho muita escolha. Sente-se. Não no chão, por favor. Esse sofá é a almofada de Deus.
__ Hum. E essas meias são dele também?
__ Não, não. Ele tem um pouco mais de classe. Posso me sentar aqui? Como está sua glicose?
__ Senta logo. Isso está uma zona. Você mora sozinho?
__ Praticamente até ontem. Teoricamente neste momento. Minha mãe é violinista, não pára nunca. E meu filho terminou a faculdade e veio passar uns tempos por aí. Até a eternidade, eu acho.
__ Vi seu filho no bar esses dias. Parece arrogante.
__ É, absolutamente insuportável. Como sabe que era meu filho?
__ O Rubens comentou. Parece que eu não devia usar a mesa por não estar consumindo nada. Desculpe, sei que é seu filho, mas tive de mandá-lo ao inferno.
__ Ele não merece o inferno. Deve ser alérgico às coisas boas da vida.
__ Coisas boas? No inferno? Você tem um jeito bem peculiar de ver as coisas.
__ Sou escritor. Desculpe, nasci assim.
__ Já li algo seu?
__ Bom, tinha umas pichações no vão do elevador, mas isso foi há muitos anos. Agora fica tudo amontoado no meu quarto. E não é nada agradável.
__ E por que nunca publicou nada?
__ Não sei, honestamente. Já falaram em falta de talento, mas eu prefiro não acreditar nisso. Então optei por ser um escritor não-publicável. É charmoso. E eu sempre ganho uísques quando meus resumos voltam com o carimbo vermelho das editoras.
__ E sua mãe? O que pensa disso?
__ Ah, ela me ama, a pobre mulher.

**********

__ Eu não posso beber mais.
__ Jack jamais entenderia. Venha. Vou te mostrar uma coisa. Quando meu filho nasceu, a mãe dele disse que ele era como aquela estrela.
__ Qual delas?
__ Aquela que brilha.
__ Ah, claro.
__ Bem. A questão é que essa estrela está morta há séculos.
__ Você o odeia.
__ Sim, mortalmente. Nos odiamos e somos felizes assim.
__ E o seu pai?
__ É tipo uma estrela também. Já morreu, mas insiste em brilhar. Gente assim me enche.
__ Você é esquisito.
__ E você é uma bêbada. Senta lá de volta, vou te fazer um café. Quer uma pizza? Acho que essa última que eu pedi tem só três semanas.
__ Não quero nada. Só senta aqui comigo.
__ Tem uma luz vermelha piscando.
__ Aonde?
__ Na minha cabeça.
__ Você também é um bêbado.
__ Eu sei. Mas tenho mais estilo que você.
__ E é muito charmoso também.
__ Ah, meu Deus, não seja assim tão irresistível.

******************

__ Não devíamos ter feito sexo na varanda.
__ Não se preocupe, não vou contar a ninguém. Só ao Rubens e ao pessoal do bar.
__ Não, não é por isso. Eu moro no prédio em frente. E meu pai costuma fumar de madrugada. Na varanda.
__ Meu Deus.
__ É mentira. Não acredito que acreditou.
__ É, sou uma vergonha mesmo. Como você se sente?
__ Muito bem. Tirando o nascer do sol. Luz me incomoda. E me dá sono. Mas eu adorei a noite. E você, como se sente?
__ Com mil borboletas no estômago.

quinta-feira, 12 de julho de 2007

A luz

Certa vez eu caminhei pela luz,
E eu fui feliz, e a vida era bela, e tudo eram cores...

Certa vez eu caminhei pela luz,
E despertei inveja no mundo e na vida, e tudo eram dores...

Certa vez eu caminhei pela luz,
E a cobiça dos invejosos me tomou meus amores...

Certa vez eu caminhei pela luz,
E o peso da solidão me fez sofrer horrores...

E então a luz se apagou,
A felicidade se foi,
Somente a solidão restou.
Depois...

Eu caminhei pelas trevas,
E chorei a minha queda, meu amor perdido...

Eu caminhei pelas trevas,
E senti a escuridão espreitando meu coração partido...

Eu caminhei pelas trevas,
E degustava minhas lágrimas caídas sobre meu rosto sofrido...

Eu caminhei pelas trevas,
E o peso que carregava haveria de ter me destruído...

E então a luz brilhou novamente.
Em um ponto distante eu a vejo,
Eu a almejo ardentemente.
Eu a desejo...

Escrito em 23/03/2005

sexta-feira, 6 de julho de 2007

Da escolha

Ela tava em crise de novo. Cansada, insone, lacrimosa. Contas vencidas, cinzeiros sujos, roupa por lavar e muita poeira no porão. Ela tossia e limpava uma lágrima que teimava em escorrer enquanto via a tudo sem perspectiva.

Levantou-se decidida, depois de dias e dias de letargia, e resolveu que, na próxima vida, passaria longe da fila da humanidade. Ia ser brócolis.

quarta-feira, 4 de julho de 2007

Trilogia do raio-x - parte 3

quase como que por instinto, durante o último raio x, quase que perguntei: e ele é feliz mostrando as fraturas das pessoas?

e imaginei a moça respondendo que às vezes... em dias de mau-humor, ele se agradava de ver pernas e braços quebrados ao meio!

terça-feira, 3 de julho de 2007

Trilogia do raio x - Parte 2

quase como que por instinto, durante o segundo raio x, quase que perguntei: e dá pra mostrar pros outros pra eles saberem o que se passa aqui dentro?

e imaginei a moça respondendo: não... abre a boca e fala, estúpida, antes que as coisas nunca mais esperem por ti!