quinta-feira, 18 de setembro de 2008

O cheiro que precede a chuva

Dia normal e enfadonho no trabalho. A verdade é que eu já não ligo mais a mínima para o que acontece ou deixa de acontecer no escritório. Eu me rendi ao sistema e trabalho no modo automático executando instintivamente todas as tarefas do cotidiano. Sair do escritório é como sair de uma caverna após um século hibernando, como todos os dias úteis anteriores neste último ano.

Acontece que nem sempre foi assim. Antes havia alegria e vigor. Antes havia vida. O fato é que meu mundo tornou-se cinzento desde que meu amor morreu. Engraçado falar isso assim de maneira tão displicente: "meu amor morreu". Nunca percebi o quanto isso soa ridiculamente emotivo e pensando bem, agora que isso soa demasiadamente emotivo percebo que acabei me tornando malditamente frio: o tipo de pessoa que eu desprezava.

Caminhando até o carro sinto aquele cheiro de terra molhada que precede as chuvas após o período da seca nesta savana maldita que é o cerrado do Planalto Central. Esse cheiro me traz tantas lembranças. Encontros, desencontros, brigas, tréguas, realizações e frustrações. Dizem que isso acontece porque raramente os sentimos por estas bandas, já que a chuva é escassa por aqui, mas eu prefiro acreditar que é porque eu sou ridiculamente emotivo. Preciso resgatar alguma coisa boa do passado.

Ao entrar no carro tiro a gravata e desabotôo o colarinho em busca de ar, especialmente aquele ar com o cheiro que precede a chuva. Então fico lá sentado divagando experimentando o meu passado distante e o meu passado recente. Lembro-me de Júlia por alguns instantes e procuro afastar esses pensamentos. Ligo o carro e o dirijo até minha casa.

Lá chegando eu entro, abro todas as janelas, desligo todas as luzes e abro uma garrafa de Cabernet argentino. Fico no escuro sentindo aquele cheiro especial que me trazia de volta o passado até mesmo mais do que minha própria memória e a lembrança de Júlia inevitavelmente ressurge. Fico lembrando nossa última conversa, de quando ela me contou o quanto achava miserável por sentir pena de mim mesmo. Ela achava que eu tinha potencial, mas que eu mesmo me sabotava. Por fim disse que já não sentia mais a mesma coisa por mim, que estava gostando de outro e que estava indo embora de minha vida. Saiu sem me dar oportunidade de falar nada, não que eu quisesse, mas acho que merecia essa oportunidade. Simplesmente virou as costas e saiu. Eu fiquei na janela acompanhando a sua partida e sentindo esse mesmo cheiro que sinto agora. Foi esse o dia que meu amor morreu.

2 comentários:

Anônimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

ACABOU O AMOR!!!!!!!!!