quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Amor doentio

Trancada no banheiro Giovana gritava histericamente, enquanto seu noivo, ou àquela altura ex-noivo, socava a porta aos berros chorando desesperado. A notícia do término despertou no homem uma bestialidade tal que, quem o visse naquele estado, não acreditaria nunca que se tratava de Luís Sousa: médico cirurgião. Homem dos nervos de aço e de mente serena. Bastante admirado em seu trabalho pela sua frieza em situações de emergência.

- Vai embora, Luís. Sai daqui, não quero te ver nunca mais!
- Giovana, me perdoa. Eu perdi a cabeça... me perdoa, pelo amor de Deus.

Cacos de vidro e sangue fresco estavam espalhados pelo chão da casa, enquanto uma ponta de cigarro manchado de batom queimava um pedaço do sofá na sala, enquanto isso Luís sentava no chão do corredor, apoiando as costas na porta do banheiro. Com o rosto entre as mãos, e os braços apoiados nas pernas chorava compulsivamente, um choro desesperador e amedrontador.

Dentro do banheiro Giovana chorava encostada no azulejo frio, manchado de sangue. Um choro silencioso, como se estivesse tentando não denunciar sua presença a algum monstro que rondasse pela casa à espreita de qualquer movimento seu. Enquanto chorava, absorta em seus pensamentos não ouvia através da porta do banheiro o choro convulsivo do homem que amou durante tantos anos. Apenas chorava silenciosamente e pensava em dar Um basta à sua vida.

Luís desfazia-se em prantos e soluçava de maneira quase convulsiva enquanto pegava um caco do porta-retratos que arremessara na parede e cortava os próprios pulsos. "Se não for pra viver com ela, que tudo mais vá pro inferno", pensava enquanto cortava os próprios pulsos, sem imaginar que dentro do banheiro Giovana tomava todos os comprimidos que encontrara no armário.

Agora calado, aguardava a morte de braços estendidos, sangrando pelos cortes de precisão cirúrgica que havia feito em seus próprios pulsos, a despeito do instrumento rudimentar do qual dispunha, e se olhava na foto que estava ali perto dentro dos restos do porta-retratos, uma foto onde sorridente, carregava a então noiva em seus braços, num momento de amor primaveril e radiante. Foi então que se pôs a chorar novamente até perder a consciência. Chorava novamente aquele choro bestial e nem percebia a fumaça que preenchia o ar do corredor.

Morrera naquela mesma posição, vigiando a porta do banheiro onde estava a mulher que adorava mais que tudo nesse mundo, enquanto o fruto de seu esforço, o apartamento que dividiam, era consumido pelo fogo que se alastrava pelos tapetes, carpetes e cortinas.

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