segunda-feira, 30 de abril de 2007

Uísque

__ Isso não está mais dando certo. Acho melhor cada um seguir seu rumo.
__ Do que você está falando, criatura, posso saber?
__ A gente. Isso. Não dá mais. Preciso de ar.
__ Amor, eu...
__ Tchau. A gente se vê.


Foi assim que ele terminou comigo. Por torpedo. Depois de dois anos, três meses e alguns dias de um namoro perfeito com o namorado perfeito. Ele terminou comigo assim. Do mesmo jeito que começou...assim.

Nos conhecemos numa festa de um pessoal que fazia cinema experimental. Logo no começo ele disse que odiava aquilo, essas festas com esse pessoal que faz essas coisas alternativas, mas o irmão dele era metido a intelectual que usa seda javanesa, e também era menor de idade, então ele tinha que acompanhá-lo por todos os cantos. Conversamos bastante, ele era divertido de um jeito fino e ácido, como eu sempre gostei, e tinha a língua ligeiramente presa [um charme, diga-se de passagem]. Dado momento a cerveja acabou, o cigarro também, ou seja, a festa teve seu fim prematuro decretado, ele meio que me seqüestrou [e ao irmão, que estava se atracando com uma senhora que fazia uma ponta num dos filmes] e fomos parar num bar que eu não conhecia, escondido no centro da cidade. Lá, música alta, fumaça, uma jukebox e um barman imenso que não foi com a minha cara desde o primeiro dia. Sentamos ao balcão e ele pediu uísque para nós dois e coca com gelo para o irmão, que se recusou a beber o líquido imperialista e ficou na água de torneira.

O uísque veio puro. Ele dizia ser absurdo deixar o uísque curtindo doze anos no carvalho pra se jogar gelo, água, energético ou refrigerante naquele líquido abençoado. Eu, como nunca havia bebido uísque na vida, não pude perceber a diferença. Ele também disse que nunca havia se embriagado com uísque puro. Eu acreditei, não só porque a maconha fazia efeito, mas porque ele era o ser mais incrivelmente incrível que eu já conheci e eu queria muito, muito, muito mesmo que ele ficasse impressionado comigo.

Saímos do bar já era madrugada alta, voltamos caminhando até minha casa, ele me beijou no portão, disse que gostou de mim, no dia seguinte pediu minha mão em namoro pra minha mãe conservadora e dois anos, três meses e alguns dias depois ele terminou comigo. Por torpedo.

Custou até eu entender o que acontecia, porque ele era perfeito e jamais me machucaria. Eu ainda achei que ele precisava de espaço, como nos filmes bregas, e fiquei inventando desculpas para a atitude irracional dele. Não fazia sentido. Até que eu conheci a cantora-performática-que-parece-paquita. Aí, tudo fez sentido.


Porque ele me trocou por ela. Numa dessas festas ridículas que o irmão dele freqüentava, ele conheceu esse ser de cabelo amarelo e bota branca, uma perfeita barbie boliviana, e se encantou com ela e desencantou comigo. Ele não atentou para o fato de que ela se vestia como paquita, ou era desafinada, ou tentava bancar a alternativa-maníaca-sexual. Ele só se encantou com ela e terminou comigo.

Dias depois fui a um show da banda-alternativa-perfomática-de-garagem da barbie fajuta. No mesmo bar onde ele me levou a primeira vez. Pedi uísque sem gelo e o barman que me odiava mal me olhou, jogando dois icebergs no meu copo. Quando olhei para o palco pude vê-lo ao lado, um perfeito tiete, com seu all star estúpido desamarrado. Tentei a todo custo não chamar a atenção dele, mas quando ela começou a cantar eu comecei a vaiar. E ele me viu. E eu quis mostrar a ele que eu não o amava mais, e que se ele não terminasse comigo eu ia terminar de qualquer jeito.

Daí ele fez que não me viu. E eu fiz que não o vi. E pedi mais uísque. E ele voltou a olhar pra ela, que cantava olhando pra mim, enquanto eu olhava com ódio para os blocos de gelo boiando no copo. A canção acabou e eles se beijaram. E eu passei a odiá-lo mais que aos pobres gelinhos que já se derretiam.

A essa altura eu já estava no terceiro uísque [com gelo], amaldiçoando todas as formas de vida humana, especialmente as deploráveis. Ele chegou com seu jeitinho de cão sarnento e eu só conseguia pensar em socá-lo repetidamente. Eu só pensava em deixar clara a mentira que eu tentava pregar, eu queria fazê-lo acreditar que eu não me importava mais, ouviu bem? EU NÃO DOU A MÍNIMA. Na minha humilde opinião de espectadora ele podia abandonar a vida de merda que a gente construiu junto pra viver seu conto de fada às avessas com aquela bruxa mascarada que fazia as vezes de princesa do reino encantado do caralho a quatro. E quando ele se chegou, tão manso, eu pensei com todas as minhas forças no quão agradável seria se ele morresse bem ali, naquele exato momento e com bastante dor, para ficar retido no inconsciente da minha memória para os dias vindouros e menos divertidos. Julguei ter pensado alto, pois ele se abaixou de repente, mas era só pra amarrar os cadarços de seu all star estúpido. Droga, eu adorava o jeito estúpido dele amarrar cadarços.

Pedi mais um uísque ao homem imenso atrás do balcão, que me olhou do alto com seus bigodes de morsa e me pediu pra segurar a onda, ao que retruquei perguntando idiotamente se ele já havia sido abandonado pelo cara-mais-que-perfeito-que-ele-amava-desesperadamente. Ele sorriu condescendente e me ofereceu água, enquanto o outro, o idiota do all star, andou até o palco e abraçou sua nova-namorada-maravilha-de-pessoa-e-cantora-performática. E foi a vez dela vir até mim, eu tenho cara de ímã ou o quê, ora porra?! Ela veio gingando na sua bota branca estúpida de assistente de palco de apresentadora loura de programa infantil, como eu queria socá-la também, bater nela com aquela bota branca estúpida que ela usava, ela me perguntou se eu gostei do show e eu pensei "vê se morre", mas dessa vez pensei em voz alta e ela ouviu, porque eu não pensei e sim gritei, ela deu um passo para trás com cara de virgem que descobre o que é o verdadeiro sacrifício, pobre vítima. Ele puxou meu braço, isso-não-é-coisa-que-se-diga-ora-bolas, mandei todos para o inferno e fui atrás de outro bar. Consegui uísque sem gelo e fiquei ouvindo Air Supply. Desabei no choro. A culpa não era do uísque, nem do Air Supply. A culpa era do gelo, eu tenho certeza.

Uísque com gelo e cigarro e música alta e músicos bêbados e ripongas sujos e aquela boneca barbie fajuta com sua bota branca de paquita, tudo aquilo voltou com violência tamanha quando cheguei em casa. Air Supply continuava bombeando meu cérebro, como pode uma música ser tão ruim e ao mesmo tempo tão tocante? Nunca tinha me embriagado àquele estado. E não, não era culpa dele, do meu ex-namorado perfeito que de tão perfeito me trocou por alguém mais perfeita que ele, a barbie de cabelo amarelo e bota branca. Eu estava convicta que a culpa era do gelo.

Vomitar não é glamouroso, aposto que a assistente de palco da Angélica não vomita, nem tem gases, nem arrota, nem faz metade das coisas que fiz nessa noite longa, perdida e suja. Mas duvido que ela sinta metade das coisas que sinto agora, duvido que ela sinta esse amor, ainda essa vergonha, ainda essa tontura que não é de embriguez mas de encantamento diante daquele ser de all star estúpido com os cadarços infantilmente desamarrados. Duvido que ela já tenha rodado bares e bares só pra não ter que encarar a solidão de um quarto agora desocupado.

Também duvido que ela use palavras tão bonitas pra justificar uma bebedeira. Eu não existo, sou uma farsa.

Passei uns dias em casa curtindo o escuro e o silêncio, sem pensar em all star, uísque ou botas brancas. Me sentia um tanto ridícula depois do ocorrido em metade dos bares bem freqüentados da cidade [os mal freqüentados não me preocupavam]. Tinha aquela vontadezinha fajuta de ligar pra ele, de pedir desculpa, mas logo vinha a vontadezona de bater nele todo de uma vez só, pra economizar força e poder cuidar dele quando ele estivesse bastante machucado. Não sabia exatamente o que eu queria fazer, por ora só queria estar ali, no escuro. Assim ninguém me via chorar.

Depois de quase um mês sem notícia, dei de cara com ele em uma festa alternativa, daquelas que ele dizia odiar mas passara a freqüentar por causa da namorada-barbie-cantora-performática. Ela não usava sua bota estúpida desta vez, mas um penteado à moda 80 que me deu tanta pena que sequer consegui rir. Ele veio ter comigo e disse coisas simpáticas que ex-namorados dizem a suas ex-namoradas psicóticas, eu ouvi metade do que ele falou sem prestar atenção verdadeiramente. O som alto me incomodava tanto que eu tive de sair dali, e urgentemente.

O casal também não ficou na festa muito tempo. Eles foram caminhando pela rua mal iluminada, de mãos dadas e sem pressa, em direção à casa dele, que não era distante. Havia muita intimidade ali, muito conhecer um do outro, e eu inflei de ódio, porque eu já tinha visto aquela cena antes, aquele caminhar noturno, lembrei do nosso primeiro beijo no meu portão. Avancei com o carro sobre eles, atropelando meu ex-namorado perfeito, sendo que a última recordação que tenho era do all star dele voando após o impacto. Aumentei o volume do som, tocava Bob Dylan na rádio, dirigi até o bar mais próximo e pedi um uísque duplo. Sem gelo.

sexta-feira, 27 de abril de 2007

Pesadelos

Segunda-feira, 03:00h. Eu acordo naquele estado mórbido de quem acabou de ir se deitar, embora eu o tenha feito às 22:00h. O quarto está completamente tomado pela escuridão e pelo silêncio. Já há bastante tempo que meu sono vem se tornando pesado demais, cada vez mais difícil de acordar. Não bastassem os pesadelos. Toda vez que eu acordo meu corpo está completamente paralisado, tamanho o medo que eu sinto. Eu andei pesquisando dizem que o nome é catalepsia, para mim é apenas medo.

Maldita fera, quase me pegou, venho sonhando com ela noites e noites seguidas. Para ser mais específico sou perseguido há mais ou menos três meses. Dentes, olhos, bocas, garras e chifres. Poucas vezes ela tem a mesma aparência, mas eu sei que é ela, aqui dentro eu tenho a certeza de que sempre é ela, e não importa o que eu faça, ou quanto eu corra, ela parece ser invencível.

Eu permaneço deitado, tentando mexer a perna que a maldita me arrancou, mas que eu sei que ainda está presa ao meu corpo. Porra, foi apenas um sonho, mas eles estão cada vez mais reais!

- Mexe... mexe... mexe...

Ela se mexe, e quando ela se mexe eu sinto um choque percorrer por todo meu corpo, essa é sempre a pior parte quando eu recobro o auto-domínio. Finalmente, a sensação de estar livre. Eu me sento na cama, me curvo e apoio os cotovelos sobre minhas pernas, o rosto entre as mãos. Quando é que isso tudo vai acabar?

Espero meus olhos se acostumarem à escuridão. Já consigo delinear o vulto do armário, o criado-mudo ao meu lado e a Bíblia em cima dele. Eu a pego e fico a olhá-la, no escuro.

- Você precisa aceitar Jesus... sei.

Levanto-me e jogo a Bíblia na lixeira antes de ir ao banheiro urinar. Não importa quantas vezes eu faça isso, no dia seguinte essa maldita Bíblia aparece em cima do criado-mudo novamente. Sempre tem alguém para colocá-la lá de volta: a empregada, minha mãe, minha namorada. São todos loucos, e por fim estão me enlouquecendo. Desgraça.

Termino no banheiro, aciono a descarga e acendo a luz do quarto. A mesma bagunça de sempre. Revistas, camisas e cuecas sujas. Não consigo entender essa fixação pela organização padrão que todo mundo tem. Se eu sempre sei onde achar qualquer coisa no meu quarto, então para quê deixar alguém entrar aqui e fuçar nas minhas coisas? Eles sempre tiram tudo do lugar. Houve um dia que minha mãe mudou até o armário e a cama de lugar. Loucos, todos eles.

Volto para a cama, me sento e começo a divagar, tentando encontrar um motivo para os pesadelos. Já li tudo a respeito. Mensagens que o subconsciente grava e que podem ser abertas para o consciente durante o sono. Mas que mensagens seriam essas? Eu parei de ler revistas em quadrinhos, de jogar em video-games e computadores. Puta merda, eu até comecei a ler a porra da Bíblia! Qual seria a solução? Os desesperados não têm chances, porque estão desesperados demais para enxergá-las, essa é a mais pura verdade. Provavelmente a solução está debaixo do meu nariz e eu não a enxergo porque estou desesperado demais para enxergar qualquer coisa.

Engraçado, como o desespero nos torna lúcidos, ou como nossas loucuras e incoerências nos parecem lógicas quando estamos desesperados. Desespero... desesperança... perder a esperança. Esperança... esperar... aguardar... Aguardar o quê, diabos!? Eu sou apenas mais um homem que passa pela Terra, quem sou eu para aguardar alguma coisa? Melhorando ainda mais a pergunta: o que aguardar de apenas mais um homem que passa pelo planeta. Eu vou morrer e minha maior obra talvez tenha sido plantar o limoeiro no meu quintal.

Eu plantei uma árvore, meu legado para o futuro. A quase totalidade dos homens que passam por aqui nem mesmo fazem isso. Se eu for analisar por este lado é algo positivo, mas quando penso na quantidade de lixo que eu gero: tocos de cigarros, garrafas de cerveja long neck, latinhas, pacotes de salgadinhos, embalagens de produtos diversos. Eu sou um monstro! Mas quem não o é hoje em dia?

Ouço um pipoco na rua e alguém começa a gritar. Eu apago a luz rapidamente e vou pra janela ver o que está acontecendo. Tem um rapaz com a perna sangrando se arrastando em frente à minha casa. Ele grita horrendamente. Aposto que o bairro inteiro está ouvindo, mas não vejo nenhuma luz acesa em nenhuma casa. Aposto que estão todos com suas cabeças escondidas atrás das cortinas assistindo o jovem morrer. Uma história para contar. Apenas mais um que passa pelo planeta. E eu que sou o monstro.

Decido não tomar parte nisso. Eu sei que todos estão assistindo ao show de horrores, mas eu também sei que eu sou diferente. Não tomarei parte disso!

Fecho a cortina e me deito novamente. Coloco o travesseiro por cima da cabeça tento voltar a dormir. A besta-fera me amedronta menos que a realidade.

domingo, 22 de abril de 2007

Samuel, o tarado hiperativo

O dia era calmo e tranqüilo, as pílulas eram realmente fantásticas. Samuel estava impressionado com o resultado. O céu estava mais azul, a grama mais verde, pareceu-le até que seu cabelo melhorara.

Neste momento ele se dirigia para a biblioteca da universidade, a mesma que ele abandonara anos atrás por causa de seu problema: Samuel era hiperativo. Por mais que ele tentasse não conseguia focar a sua atenção nas aulas, aliás não somente nas aulas, mas também no estágio, na televisão, no que lhe dizia sua namorada, sua mãe, seu pai seus irmãos e, ele nunca confessou para ninguém, mas o simples ato de comer era uma tortura. As idéias se atropelavam em sua cabeça perturbada.

Sim, perturbada pois Samuel além de hiperativo era um tarado nato. As idéias que lhe atropelavam a mente eram todas relacionadas a sexo. No segundo grau, nas aulas de geografia ele pensava se a vagina das japonesas era pequena como o pênis dos japoneses, se o tema era a África ele pensava se não seria o caso de oferecer sutiãs às nativas das tribos, as mesmas que sempre aparecem com o seios caídos nos documentários televisivos.

Nas aulas de história ele pensava em história... do sexo.

- Como inventaram o boquete? Em que época será que ele foi inventado? Será que os nobres franceses recebiam boquete de suas damas? Aliás, se até a Idade Média eles não tomavam banho freqüentemente, com certeza o sexo oral é uma invenção moderna.

Sua perturbação era tremenda. Ele parecia ver as professoras sem roupa, assim como as colegas de classe, a tia da limpeza, a até mesmo a própria avó: "Nossa, não é à tôa que os homens ficam impotentes quando velhos. É a melhor desculpa pra não comer carne seca".

Samuel, 21 anos, virgem de signo e de sexo. Um supletivo mal feito e uma faculdade meia-boca de Ciências da Computação no currículo. Talvez se tornasse um analista de sistemas, um programador, ou algum outro tipo de nerd viciado em pornografia virtual.

Samuel finalmente chegara à biblioteca. Carolina, a bibliotecária já o conhecia. Certa vez recebeu uma cantada enquanto ele tomava emprestados alguns livros da biblioteca.

- Não sei o que mais chama atenção nos seus seios, esse decote maravilhoso ou essa pinta indiscreta que parece chamar pelo meu nome.
- Talvez seja a capacidade natural que eles têm de atrair idiotas.

Realmente ele não tinha tato com mulheres.

Quando Samuel entrou na biblioteca Carolina prontamente retirou-se do balcão. Samuel, sempre imerso em sua pornografia mental não notou nada e encaminhou-se diretamente para a seção de humanas. Ele estava decidido que hoje seria o grande dia de usar o "Juquinha" para outra finalidade além de urinar e masturbar-se. Juquinha... ele batizara assim seu membro quando ainda estava no Jardim de Infância, um apelido para a vida toda.

Na seção de humanas ele sabia que tinha mais chances de se deparar com uma bela mulher. Procurou algo para se distrair enquanto esperava por uma vítima.

- Literatura, psicologia, nutrição, nada interessante... AH, MEDICINA!

Pegou o Atlas do Corpo Humano e ficou a estudar o gênero feminino, de novo. Samuel era um expert no assunto, embora sua habilidade prática se resumisse a ter masturbado a empregada uma vez, após drogá-la com o famoso "Boa noite Cinderela". Aquele seria o grande dia de sua vida se sua irmã mais nova não tivesse voltado mais cedo para casa.

Hoje nosso amigo não estava assim tão frenético, mesmo "lendo" sobre o assunto. Não sabia se atribuia sua apatia às pílulas que tomara de manhã ou ao fato de já ter repetido esse plano inúmeras vezes em sua curta e mal fadada vida universitária. Talvez fossem as pílulas, neste momento ele conseguia fantasiar a sua conversa com alguma estudante universitária.

- Quem sabe uma galega da fisioterapia, ou uma morena da nutrição.

As frases não se atrapalhavam com seu objetivo final, como sempre acontecera. Ele raciocinava linearmente, sempre focado no objetivo de conseguir sua primeira transa, mas ainda assim a conversa fluia naturalmente em sua cabeça.

Ele imaginava que ela chegaria e começaria a procurar por um livro na estante, então ele a abordaria:

- Hum... este livro não me parece tão interessante.
- Você já leu?
- Não, na verdade eu não gosto muito do autor, acho que o resultado das pesquisas dele são questionáveis.
- Como assim? Ele é um guru no assunto. Aliás pioneiro na área.
- Tá bom, eu confesso. Foi meu único argumento para chegar perto de você e ter o que conversar. Eu te achei tão linda...

Ela sorriria e diria algo do tipo:

- Tudo bem, meu nome é Adriana - sua imaginação fértil dera até mesmo um nome à vítima.
- O meu é Samuel. Olha, eu não quero de forma alguma te atrapalhar, mas, é realmente urgente que você fique aqui na biblioteca? Nós poderíamos, sei lá... sair e sentar em algum lugar, tomar um drinque e conversar.
- Tudo bem, o trabalho é pra daqui a uma semana, eu queria adiantar porque gostaria de sair este final de semana.
- Olha só que excelente idéia, mas começamos e já sei que posso ter a oportunidade de vê-la este final de semana.

Com essa frase ele a ganharia, iriam juntos ao boteco mais próximo, ele a encheria de cachaça e finalmente estrearia o Juquinha, seu único companheiro nas solitárias aventuras que imaginava no banheiro de sua casa. Sim, este seria o seu grande dia.

Neste momento uma garota oriental se dirige à prateleira mais próxima. Ela era magra, de estatura média, com um rosto redondo e seus cabelos negros e lisos, como uma cascata de luz negra absorvendo e refletindo tudo ao redor. Seu rosto era belo, mas o corpo aparentemente deixava a desejar, ou então era aquela roupa excessivamente comportada que dava essa impressão.

- Não é hora de escolher, eu não tenho motivo pra ser exigente.

Levantou-se e começou seu ensaiado discurso:

- Tem certeza que vai escolher esse livro?
- Alguém te perguntou alguma coisa?

"Droga eu não previ isso", ele pensa.

- Oh, me desculpe eu não quis parecer intrometido. Na verdade eu te achei muito bonita e procurei algum assunto para puxar conversa.
- Começou mal, hein.
- Tudo bem, eu vou voltar para minha mesa. Sinto muito.
- Ei, espera. Você sempre desiste assim tão fácil?

Ao falar isso ela sorriu. Um belo sorriso, se tirasse o aparelho ficaria melhor... se bem que o aparelho dava a ela um ar mais juvenil. Parecia uma adolescentezinha.

"Hum... livro de direito. Quem sabe ela pense que eu sou um cara sério se eu contar umas mentirinhas".
- Na verdade, eu não tenho muita prática, terminei um namoro de 3 anos há dois meses e essa é a primeira vez que me interesso por alguém.
- Meu nome é Maíra.
- O meu é Samuel, prazer em conhecê-la.
- Bem, e então, o que pensa em fazer agora Senhor Inexperiência. Vamos ficar em pé conversando ou você vai me convidar para fazer alguma coisa?

"Beleza!!!"
- Enquanto eu a via procurar o seu livro eu pensei nisso, mas não quero atrapalhá-la a fazer sua pesquisa.
- Oh, em absoluto. Eu vim pegar o livro para levar para casa. Indicação de uma amiga.
- Tem um barzinho bacana aqui perto, você conhece?
- Espero que não seja o "Bola 8".
- Não eu falei do barzinho bacana, eu só convido para a sinuca meus camaradas da reitoria.
- Você trabalha aqui?
- Faço estágio. Eu deveria ser um programador, mas na verdade só conserto computadores quebrados e tiro papel de impressoras enguiçadas. Saio essa semana.

"Assim você não sente minha falta quando NÃO me vir por lá, hehehehe..."
- Legal.
- E então, vamos?
- Deixa só eu registrar o empréstimo do livro.
- Tudo bem eu te espero lá fora.

Samuel saiu e esperou.

"É hoje!!! É hoje!!! É hoje!!!"

Maíra apareceu na porta da biblioteca:

- E então cadê o seu carro.
- Na verdade eu o vendi ontem, vou comprar outro mais novo. Um Celta 0Km. Parcelas a perder de vista, mas sem problemas de manutenção.
- E então como vamos?
- A pé mesmo. O "Tchebarana" é aqui perto.
- Certo.

OK, OK... todo homem sabe o que significa uma expressão afirmativa feminina acompanhada daquele vago desvio de olhar. Todo homem, exceto Samuel. Apesar de estar mais controlado pelo remédio receitado pelo psiquiatra ele ainda estava aéreo. Samuel não percebera o tamanho do salto da garota, muito menos se importara em carregar o Vade Mecum por ela a fim de aliviar-lhe o transtorno da caminhada.

Para sua sorte o bar era realmente perto e ela resolveu não se importar tanto. "O recanto do universitário" essa era uma frase estampada no menu do bar, e de fato a clientela era composta quase que exclusivamente por estudantes.

- Nossa, o ambiente é tranqüilo. Não conhecia aqui ainda.
- É seu primeiro semestre na faculdade?
- É. Olha lá, parece que tem música ao vivo aqui.
- Sim, mas só à noite, durante o dia o palco fica desmontado. Acho que vai ter algo hoje a bateria está lá em cima.
- Nossa, acho que já sei onde vou passar a maior parte do meu curso.

"YES!!! CACHACEIRA NATA"
- E então, Maíra. O que vai ser? Eu vou de Marguerita.
- Uma caipirinha pra mim.

"Sabia... É hoje!!!"
- Garçom. Ei, amigo... aqui! Uma Marguerita e uma caipirinha, por favor.
- É pra já, senhor.

O garçom saiu. Enquanto esperavam os dois jovens conversaram sobre amenidades e aproveitaram para saber coisas específicas, porém inúteis a respeito um do outro. Signo, idade, onde moravam, essas coisas que mais parecem uma apresentação em alguma sala de bate-papo na internet.

Por fim, a bebida chegou. Samuel ficou impressionado com a velocidade que Maíra "degustava" sua caipirinha. Resolveu pegar leve e beber seu drinque devagar. E assim, no embalo da bebida foram se soltando mais. Samuel sempre dosando a bebida e Maíra secando os copos como se estivesse comemorando por ter sido contemplada no consórcio de uma casa nova.

Em pouco mais de uma hora ela estava completamente embriagada, e Samuel duplamente alegre. A alegria do álcool somada à euforia de finalmente usar o Juquinha.

- Sabe, Maíra. Essa distância está me deixando louco...

Levantou-se da cadeira e a colocou ao lado dela. Sentou-se:

- Já tem algum tempo que eu não escuto o que você diz, eu só consigo olhar para sua boca e...

Beijou-a. Ela correspondeu. O gelo fora quebrado.

"Mais algumas doses e eu como essa japoronga".
- Meu copo tá vazio. Pede uma dose de Tequila pra mim, essa é a saideira.

A voz já começava a se tornar pastosa, embargada. Samuel continuou a beijá-la. Resolveu ser mais ousado e apalpou a parte interna de sua coxa, ela nada falou, um excelente sinal, ou não... talvez fosse efeito da bebida.

- Maíra, eu estava pensando. O que acha de sairmos daqui e irmos para um local mais reservado. Com menos gente, sem platéia.
- Você já tá querendo me comer. Putz...
- Hum... melhor deixar pra outro dia então.
- Não... não... putz... você desiste muito fácil. Se impõe, cara.
- Eu estou louco pra arrancar sua calcinha com os dentes.
- hahahahaha... assim tá melhor. Só tem um detalhe...

"Ai caralho, lá vem merda".
- Na verdade são DOIS detalhes.

"PUTA MERDA..."
- Quais seriam, linda?
- Primeiro: Eu tô sem dinheiro pra rachar a conta contigo.
- Sem problemas eu recebi hoje.

"Eu estou com o cartão de crédito da minha mãe".
- Segundo: eu tô menstruada.

"AAAAAAH... só isso... eu como tudo com catchup mesmo".
- Por mim não tem problema.
- Por mim também não, na verdade eu fico com mais tesão. Paga a conta aí e vamos.

Samuel levantou-se e enquanto ia para o caixa fazia contas mentalmente para saber se o dinheiro que tinha na carteira dava pra pagar um taxi até o motel mais próximo.

- R$ 60,00... dá e sobra.

Ligou para um táxi de seu celular, pagou a conta e voltou para a mesa. Terminaram seus drinques enquanto esperavam pela chegada do táxi. Aproveitaram para se dar uns amassos.

O táxi chegou, entraram.

- Pra onde chefia?
- Petit Noir.
- Se segura aí atrás, hein. Não quero ser parado de novo por ter um casal se chupando no banco de trás.
- Você é um escroto - respondeu Maíra.
- Fique tranqüilo - amenizou Samuel.

"É hoje!!! É hoje!!! É hoje!!!"

Foram para o motel. Desceram do táxi, reservaram um quarto e subiram as escadas na maior empolgação, quer dizer, na medida do possível. Maíra quase caiu mas Samuel a segurou.

Entraram no quarto, Maíra tirou a comportada roupa que vestia. Samuel ficou fascinado com o seus seios. Quem diria que aquela magrela teria seios tão maravilhosos. As auréolas um tanto quanto escuras, diferente do que sempre sonhara, mas lhe pareceram perfeitas mesmo assim. Começaram a se atracar, e nada do Juquinha responder.

Beijos, amassos, chupões, mão naquilo, aquilo na mão. O básico de qualquer início de transa... mas nada do Juquinha se manifestar.

- O que houve?
- Ahn, não sei isso nunca me aconteceu.
"Puta que pariu quê que tá acontecendo? Nossa, eu devia ter pensado em uma frase melhor".
- Tem algo de errado comigo?
- Não, você é perfeita. Maravilhosa... vem cá, me dá um beijo.
- Espera que eu já dou um jeito nisso.

"YES!!! MEU PRIMEIRO BOQUETE!!! UHUUUUUUU".

Maíra se levantou e começou a dançar. Parecia que ela queria fazer um streap-tease, mas ou o álcool a estava atrapalhando ou ela aprendeu a dançar assistindo pavões cortejando suas fêmeas no Discovery Channel. Não era bem isso que ele tinha em mente para a sua primeira vez. Aliás ele já tinha pensado em tudo, imaginado de tudo... menos aquela coisa esquisita.

Maíra continuou dançando, requebrando, rebolando e remexendo, até que perdeu o equilíbrio e caiu em cima da cama.

- Porra, eu já fiz de tudo e você não reage. Você é broxa?
- Existe uma coisa que você ainda não fez.
- O quê?
- Bem, você sabe.
- Aquilo? De jeito nenhum, botei o aparelho hoje.
- Então, toca uma pra mim.

Ela atendeu prontamente o pedido. Parecia uma ninfeta insana, louca por sexo. Seu olhar fixo no membro parecia manifestar uma insaciedade voraz. O Juquinha, todo esfolado não dava sinais de vida.

- CARALHO, EU AQUI LOUCA PRA DAR UMA E ACABO ARRUMANDO UM MALDITO BROXA.
- Calma, Maíra, é... é...
- É O CARALHO DE ASA MESMO, SEU BROXA.

Levantou-se, vestiu-se e saiu desabaladamente porta afora. Samuel ficou sentado na cama, pelado. O Juquinha cabisbaixo permanecia alheio a toda confusão.

- Não acredito... não acredito... JUSTO HOJE!!! É nisso que dá bater tanta punheta! Puta merda, minha mãe vai me matar, esse motel é caro pra caralho!

No grande dia de sua vida, no grande momento pelo qual esperou por tantos anos ele falhou. Na verdade nada disso teria acontecido se ele tivesse lido a bula do remédio.

REAÇÕES ADVERSAS:
- Não ingerir bebidas alcóolicas durante o uso. Depressor do sistema nervoso central, pode causar disfunção erétil.