sexta-feira, 4 de maio de 2007

Profissional

Sexta-feira, 17:49h. Começo a preparar a mesa para encerrar o expediente da semana. Este é na verdade um ritual que consiste em retirar da minha mesa embalagens e restos de comida que eu adotei após ser espezinhado numa segunda-feira porque meu chefe "encontrou" a minha mesa infestada de baratas. A empresa é limpa e organizada, não existiam baratas em nenhum outro lugar, somente na minha mesa. O problema maior não eram as baratas, já que quando eu chegava para trabalhar elas se escondiam. O maior problema das minhas baratas eram os colegas de trabalho, eles chegavam antes de mim e as viam passeando em minha mesa. Comecei a receber olhares de reprovação, alguns até de repúdia, e eu me orgulhava disso. A festa acabou quando meu chefe "viu" as baratas em minha mesa. Ele diz que viu, mas eu acredito que eu tenha sido dedurado pelos meus colegas.

Percebe-se que eu não sou um sujeito muito querido. Na verdade eu sou como a morte em meu ambiente de trabalho, quando eu chego as pessoas se calam, quando vou embora elas sorriem. Ninguém gosta de mim, somente os loucos, como o cara do almoxarifado. Ele tem uns parafusos a menos e gosta de mim. Resumindo eu sou completamente indesejado, porém absolutamente necessário. Sei disso porque já fui demitido e uma semana depois eles me procuraram desesperados precisando dos meus serviços, foi uma excelente oportunidade para dobrar o meu salário.

Às 17:57h o telefone toca.

- Suporte, boa tarde.
- Quem fala?
- É o Klaus.
- Ah... Klaus... er... tudo bem?
- Ahan...
- Olha, desculpa incomodar nesse horário. Eu sei que está quase na hora de ir embora, e...
- Fala logo, palerma. Se você ligou foi pra alguma coisa, diga logo o que é.
- O sistema de cadastro de clientes...
- Quê que tem?
- Ele está dando problema.
- Não, ele não está dando problema. Eu cuido dele há três anos e todos os chamados que eu recebi até hoje eram culpa do usuário ou defeito de equipamento.
- Mas eu estou fazendo tudo certinho.
- É o que todos dizem.
- Vem cá, você não quer me ajudar, não? É isso?
- Você quer uma resposta sincera ou quer uma resposta agradável?
- Agradável, por favor.
- Não.
- Sei... e se eu pedisse uma resposta sincera?
- Você iria reclamar à chefia.
- Imagino.
- Anda logo que eu não tenho o final de semana inteiro pra ficar papeando com você pelo telefone. O que você quer é urgente, ou posso resolver segunda-feira?
- Pode ser segunda.
- Se pode ser segunda por quê você ligou na sexta-feira às 18:00h?
- Porque eu achei que...
- O problema do usuário é achar as coisas. Usuário ACHA que pensa.
- ...
- Segunda-feira você liga novamente, vou mandar um estagiário aí.

Desliguei o telefone. Nada como ensinar ao usuário quem é que manda no pedaço. Talvez eu escreva um livro: como ser importante humilhando seus colaboradores. Quem sabe eu alcance o status de Maquiavel com seu "O Príncipe". Sempre criticado, porém seguido à risca por aqueles que o criticam. Arrumo a mesa, acendo um cigarro (com o departamento vazio eu faço o que eu quiser) e fico por ali acessando pornografia na internet.

O telefone toca. Deve ser o chefe do último rato que me ligou. Com certeza isso vai ser legal.

- Suporte, boa tarde.
- Klaus?
- Sim.
- Você por acaso sabe com quem está falando?
- Não faço a menor idéia, e também não me interessa.
- Ótimo. Estou ligando para avisar que fui ao estacionamento e dei um trato no seu carro.
- Seu, merdinha! Eu tenho acesso às gravações das câmeras de segurança a hora que eu quiser.
- Tente a sorte, palhaço.

Desligou o telefone. Eu apago o cigarro, desligo os computadores, subo as escadas e corro o mais rápido possível até o estacionamento. Meu carro continua no mesmo lugar e do mesmo jeito, aparentemente intocado. Dou uma volta ao seu redor, todos os pneus cheios, nenhum prego por perto. Olho o escapamento, nada entupindo-o. Saio de perto, me escondo e fico olhando procurando saber se o merdinha está por perto para ver sua obra. Aguardo uns 10 minutos. Deve ter sido um blefe.

Me aproximo do carro, retiro a chave do bolso e quando enfio a mão na maçaneta sinto uma coisa viscosa. Merda! Literalmente...

2 comentários:

Daniela Andrade disse...

Não, não é ficção, mas esse Estevão não é aquele Estevam...entendeu?

"Oh dog" é legal, aprendi na faculdade.


Quanto ao texto, ouso dizer que é autobiográfico. E é por isso que eu te amo. Já disse que você é a única pessoa cínica que eu respeito, néam?


=*****

Daniela Andrade disse...

escobares...

tinha tempo que eu não ouvia essa...um dia desses me perguntaram como estava o edmundo.


TÓIM!