quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Da janela

O menino não saía mais de perto da janela nova do quarto novo da casa nova. De lá, ele conseguia ver toda a rua, algumas árvores, a molecada correndo atrás de bola. Ele não podia brincar na rua, por isso se dependurava no parapeito com gosto, até podia sentir o suor da brincadeira.

A empregada vinha lá da cozinha gritando: "Menino, sai dessa janela! Qualquer dia desses você cai de coco no chão e vai ficar rachado pra sempre!". Ele dava uma gargalhada gostosa, gostava do jeito dela falar, embora não entendesse às vezes.

Achava muito chato ter cinco anos e ser filho único. Seus pais trabalhavam o dia inteiro, não queriam jogar bola, ou videogame ou fazer algo legal, pra variar. Queriam, ao chegar, tomar banho, jantar, assistir aos jornais noturnos e finalmente descansar. Ele passava o dia com a empregada, e às vezes achava que gostava mais dela que da mamãe. Depois desachava, rapidinho, pra mamãe não se chatear.

Àquele dia, ele estava bem entediado. Não havia meninos na rua, nem carros passando, nem passarinhos cantando nem nada acontecendo. Ele ousou sentar no parapeito pela primeira vez, e não sentiu medo algum, pelo contrário, só uma vontade imensa de voar. Sabia que meninos não voam, só homens feitos, e que ia demorar muito pra ele poder usar a cueca por cima das calças, mas sentiu aquela coisa crescendo dentro dele, tão forte, que quase não resistiu. Fez pose de decolagem, som de avião, mas não saiu do lugar. Ficou em pé, olhando a rua vazia de vida. Olhou para baixo, viu o chão nem tão perto nem tão longe, achou que uma queda dali não machucaria tanto, só o braço, daí ele não iria à escola, ficaria com a empregada o dia todo tomando sorvete e recebendo cafuné. Era tentador, mas mamãe não ia gostar nada dessa peripécia, melhor deixar a vida como estava.

O carro de mamãe dobrou a esquina à direita. O de papai, a esquina à esquerda.

Quando ele os viu, começou a pular, a gritar, queria que o vissem, como já era grande e crescido, já poderia brincar com os meninos de bola na rua, não precisaria mais, nunca mais, ficar preso. Não entendeu porque mamãe ficou tão assustada, ou porque papai acelerou o carro. Parou de pular um instante, olhando para mamãe, preocupado. Nunca tinha percebido o quanto mamãe era jovem e bonita.

A empregada, quando viu, gritou.

O menino, quando ouviu, se assustou. E caiu.

No chão, ainda com um restinho de vida, ouviu papai frear o carro e vir correndo na sua direção.

__Filho! Fala com o pai, filho! Tá tudo bem, filho?

Ele não sentia dor. Não sentia medo. Não sentia os braços. Sentia apenas que o vôo tinha sido lindo.

__ Nada, pai. Foi só o mundo que girou depressa demais.

Um comentário:

Dany Lynn disse...

E como o mundo gira rapido demais qdo o desconhecido atravessa nossas vidas.
E como ele pode trazer consequencias irreparaveis...para nós ou para os que estão a nossa volta.

Eu tenho medo qdo o mundo gira rapido demais....
E sei como vc sabe disso!!!

Perfect!!!