quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Carta a um destinatário vencido

Estava a pensar em você, no que ficou e no que nunca existiu. No que eu mais quis e acabei perdendo. Em tudo que ainda dói. Naquilo que ainda amo.
Amo tua respiração. Quente e pausada, como quem está em constante descanso do torpor vespertino. Como quem desperta do sono para sonhar acordado. O teu leve ressonar, calmo e perturbador.
Amo tua presença, constante e verdadeira. Essa capacidade que tens de estar somente comigo mesmo quando não estamos a sós, ainda que estejamos infinitamente separados.
Amo teu sorriso, meigo e fácil, sincero e carregado de mistério, sorriso que entrega e mente, de maneira simultânea, clara e sigilosa.
Amo tua paixão. Paixão pela música, pelo cinema, por teus amigos, pela sombra verde. Paixão pela vida. Amo a paixão que um dia dedicaste a mim. Paixão por aquilo que tens e por tudo que desconhece. Paixão por aquilo que entregas a outras pessoas, pela cor verde que nos é comum.
Amo teu ombro reconfortante, que afaga meus temores e afasta meus medos, que recebe minhas lágrimas e me encoraja a sorrir. Que embala meu sono e me abriga de cada perturbação noturna.
Amo teu cheiro. Teu cheiro de homem quando me ama, teu cheiro suave após o banho, o cheiro do teu cabelo molhado, da tua pele quente nas noites frias.
Amo teus sons. Pequenos pontos de identificação, que me fazem reconhecê-lo ainda que à distância. Seus sons adormecidos, suas canções mais caras, suas batidas ritmadas no instrumento característico. O som que você produz quando está de chinelos, com seu andar pesado e concomitantemente displicente. Os sons que você produz na intimidade. Na nossa intimidade. Sua voz grave e melodiosa, como uma nota triste de um baixo num blues melancólico.
Amo tua lembrança, nas horas insones, nas noites frias, nas tardes entorpecidas, nas manhãs que caprichosamente adormecem. Tua lembrança em momentos fugidios, em memórias esquecidas, em tudo que ainda dói porque não existe mais. Tua lembrança quando a saudade martiriza e os ungüentos e alquimias não estancam o sangramento. Quando mais nada parece dar certo, eu amo sua lembrança. Quando meus desejos são negados, eu amo essa lembrança. Cada dia de paixão nova me faz amar as velhas recordações.
O que amo em ti é a ti mesmo, em suma.

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Escrito em 2005.

Um comentário:

Dany Lynn disse...

putz....que sintonia é essa???

voltei do trampo pensando em uma carta para meu blog...
surgiu do nada....
dai venho visitar seu blog e o que encontro.
Putz...sem palavras
Perfeito.