sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Cotidiano

Junho. Para ser mais preciso, noite de junho, fria e solitária, como todos os anos anteriores. Sentado na poltrona enrolado em um cobertor, o maldito cachorro que não para de latir e de correr de um lado para o outro não me deixa pensar direito, acho que vou seguir o conselho do meu irmão e vou parar de dar café pra ele. Nem eu tomo o tanto de café que ele toma.

Acendo um cigarro, e tento voltar a ler o livro. Gabriel Garcia Marquéz nunca foi meu predileto, mas é o único livro que sobrou pra ler. Já li e reli todos os outros, uns poucos que eu li uma única vez, diga-se de passagem os melhores, eu acabei emprestando e nunca mais recebi de volta. A verdade é que eu sou idiota o suficiente para continuar fazendo propaganda do que leio para as mesmas pessoas que nunca devolvem meus livros.

Cheiro de amêndoas estragadas: cianureto. Pronto, cheguei ao ponto do livro em que sempre paro, e é bem no começo. Como alguém pode ter cheirado cianureto, saber que tem cheiro de amêndoas estragadas e ainda assim continuar vivo pra falar pras pessoas que cianureto tem cheiro de amêndoas estragadas? Isso é coisa de gente doente, prefiro ler as esbórnias de Bukowski.

Fecho o livro e vou à cozinha colocar mais café pro cachorro, ele ficou quieto de novo, tremendo e olhando para o canto da parede da sala. Aproveito e coloco uma xícara para mim também. Bebo metade e completo novamente com conhaque. Ah... isso que é vida.

O telefone toca e eu atendo:

- Alô?
- Klaus...
- Eu.
- É o Carlos.
- Fala, viado...
- Cara, é o seguinte, meu computador deu pau aqui em casa, e eu preciso dele pra falar com a Carolina. Ela tá me esperando na Internet pra gente conversar. Talvez eu vá a Brasília esse final de semana, preciso marcar um local pra vê-la.
- Usa o telefone, filho-da-puta. Eu trabalho o dia inteiro com essa merda agüentando gente burra me perturbando e...
- Eu comprei um Johnny Black.
- Tô passando aí agora.

Desligo o telefone e calço meu coturno velho e surrado. O cachorro já tomou o café e voltou a correr. Ah... isso que é vida.

2 comentários:

Daniela Andrade disse...

Klaus e Carlos já estiveram por aqui...Johnny Black é uma excelente desculpa para uma visita...García Márquez é meu favorito, mas te perdôo...dar café pro cachorro é doentio...

você passou muito tempo sem aparecer aqui, amor meu. tanto que publiquei texto seu ali embaixo, ó...

tá, voltando ao texto...leve e irônico. já tava sentindo saudade. agora posso até dormir.

;)

Daniela Andrade disse...

ah, vale lembrar: o narrador é onisciente! tipo Deus! por isso ele sabe o cheiro das amêndoas amargas sem ter morrido!!!!!

adorei o texto, mas o Gabo é meu favorito...isso dói!

(L)