segunda-feira, 28 de abril de 2008

Descoberta, ou A constatação da dúvida.

"Eu já sabia", eu disse a ela, a constatação lacrimosa de uma dor infinda que eu realmente já previa, como uma dessas previsibilidades mais banais que a gente só não enxerga por ainda acreditar em algo. "Não tinha como saber", ela tentou me demover dessa certeza dolorida e sangrenta, como fazem os bons amigos, tentando negar o óbvio. E todas as desculpas que eu sabia que ela daria por ser amiga dele, e todas as tentativas de amenizar o crime, por ser minha amiga. "Não se desculpe por ele", eu pedi, já sabendo que viria uma explicação que não explicaria nada. Nem da parte dela e muito menos da parte dele. E depois eu me senti mal por colocá-la na linha de tiro, entre minha dor e a culpa dele, amiga que era dos dois. Mas não havia outro jeito, porque da minha solidão ela havia tomado conta e não me deixaria desfrutá-la, não da forma ideal, aquela coisa de cigarro e silêncio e solidão, mezzo deprê mezzo "tenho pena de mim mesma". Mas eu queria fazê-la entender que eu já sabia, desde o início dos tempos, que eu sabia que ele me macularia, me lanharia, e que se isso ocorreu foi tão somente por negligência minha, porque eu quis me negacear, por acolher essa oportunidade de amor com pouquíssimo zelo. Mas eu sabia que a grata surpresa haveria de ser ingrata criatura mais cedo ou mais tarde, e saber disso já fazia com que metade do caminho para a cura chegasse mais rápido e até com menos dor. E depois eu ligaria pra ele assim como quem não quer nada, como fiz no dia seguinte, na esperança de que ele colhesse a decepção na minha voz e fizesse algo, qualquer coisa, pra consertar o erro, pra fechar o buraco de bala que ele abriu no meu peito. E talvez ele tenha até percebido, mas esconde tudo tão bem e de maneira tão competente que não demonstra nada, nunca. Então não há certeza de que ele também sentiu o reflexo de ter agido como estúpido e de ter-me feito agir feito estúpida nesses últimos dois meses. E dias depois ela, a amiga de ambos, viria conversar comigo pra saber se eu havia conversado com ele, se as coisas já estavam resolvidas, como se muito pouco ou até mesmo nada tivesse acontecido, e eu sorriria com amargura e afirmaria com uma convicção tamanha que ele não vai me procurar, eu sei disso, eu sei de tudo com relação a nós dois porque conheço a nós dois como desconheço a todo o resto. "Ele vai te procurar", ela afirma com uma segurança precária. E eu volto a sorrir com amargura, saudosa da minha solidão, até penso em alugar um quarto num hotel durante um final de semana só pra me ver sozinha, pensando, como fiz daquela vez em que fui pra Goiânia pra fazer nada, só pensar. "Não adianta, eu sei como tudo acaba, eu sei quando e onde acaba. Sei que ele não vem conversar, mas sei que não conseguirei negar, então vamos nos lanhando como gato e rato, até o momento em que um dos dois não tiver mais sangue pra derramar. E esse que terá a hemorragia parcamente estancada será eu. Eu sei". "Não tem como saber disso", ela ainda tentará repetir. "Tem sim. Eu sei. Eu nunca me engano".

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