domingo, 15 de julho de 2007

Pequena serenata noturna

__ Aonde exatamente estamos indo?
__ A uma festa.
__ E se eu não quiser ir?
__ Você vai. Está sob custódia.
__ Minha cabeça dói.
__ Eu imagino. Mas apreciei o seu ataque de hipoglicemia. Pelo menos me fez rir. Não rio há décadas.
__ Devia treinar mais. É fato que não fica tão bem assim, sorrindo. Mas seu ar de homem sério não combina. Em nada.
__ E você desacordada é extremamente gentil.
__ Não seja tão galanteador. Minha cabeça realmente dói.
__ Acontece quando se leva uma garrafada. Não devia brigar assim na rua. Ainda mais com um homem daquele tamanho. Eu jamais brigaria com ele.
__ Você parece o tipo de homem que não se mete em brigas por se saber perdedor desde o início.
__ É, talvez seja...nunca fui muito bom com músculos. Ou com olhos como os seus. Por isso não me aproximo de nenhum dos dois.
__ Mas você não devia ter deixado aquele monstro jogar aquela garrafa na minha cabeça. Devia ter sido meu herói.
__ Ah, eu rezei pra que ele não fizesse isso. Mas Deus nunca me ouviu mesmo.

***********

__ Pronto. Chegamos.
__ E onde estão todos?
__ Bom...tem uns amigos meus por aí...Johnnie, o andarilho. Jack, o esquentadinho do sul...eles gostam de ser beijados com delicadeza, não vá com tanta sede. Tem um cara ali, o Beethoven, que adora ser ouvido, mas não é muito bom no contrário, não adianta falar que ele não vai te ouvir. Vou buscar os cubanos. Esteja à vontade.
__ Você é sempre tão espirituoso assim?
__ É bom. Faz bem pra pele. E você gosta.
__ Ah, é? Como você sabe?
__ Dá pra ver nos seus olhos.
__ Você parece gostar bastante deles.
__ Não tenho muita escolha. Sente-se. Não no chão, por favor. Esse sofá é a almofada de Deus.
__ Hum. E essas meias são dele também?
__ Não, não. Ele tem um pouco mais de classe. Posso me sentar aqui? Como está sua glicose?
__ Senta logo. Isso está uma zona. Você mora sozinho?
__ Praticamente até ontem. Teoricamente neste momento. Minha mãe é violinista, não pára nunca. E meu filho terminou a faculdade e veio passar uns tempos por aí. Até a eternidade, eu acho.
__ Vi seu filho no bar esses dias. Parece arrogante.
__ É, absolutamente insuportável. Como sabe que era meu filho?
__ O Rubens comentou. Parece que eu não devia usar a mesa por não estar consumindo nada. Desculpe, sei que é seu filho, mas tive de mandá-lo ao inferno.
__ Ele não merece o inferno. Deve ser alérgico às coisas boas da vida.
__ Coisas boas? No inferno? Você tem um jeito bem peculiar de ver as coisas.
__ Sou escritor. Desculpe, nasci assim.
__ Já li algo seu?
__ Bom, tinha umas pichações no vão do elevador, mas isso foi há muitos anos. Agora fica tudo amontoado no meu quarto. E não é nada agradável.
__ E por que nunca publicou nada?
__ Não sei, honestamente. Já falaram em falta de talento, mas eu prefiro não acreditar nisso. Então optei por ser um escritor não-publicável. É charmoso. E eu sempre ganho uísques quando meus resumos voltam com o carimbo vermelho das editoras.
__ E sua mãe? O que pensa disso?
__ Ah, ela me ama, a pobre mulher.

**********

__ Eu não posso beber mais.
__ Jack jamais entenderia. Venha. Vou te mostrar uma coisa. Quando meu filho nasceu, a mãe dele disse que ele era como aquela estrela.
__ Qual delas?
__ Aquela que brilha.
__ Ah, claro.
__ Bem. A questão é que essa estrela está morta há séculos.
__ Você o odeia.
__ Sim, mortalmente. Nos odiamos e somos felizes assim.
__ E o seu pai?
__ É tipo uma estrela também. Já morreu, mas insiste em brilhar. Gente assim me enche.
__ Você é esquisito.
__ E você é uma bêbada. Senta lá de volta, vou te fazer um café. Quer uma pizza? Acho que essa última que eu pedi tem só três semanas.
__ Não quero nada. Só senta aqui comigo.
__ Tem uma luz vermelha piscando.
__ Aonde?
__ Na minha cabeça.
__ Você também é um bêbado.
__ Eu sei. Mas tenho mais estilo que você.
__ E é muito charmoso também.
__ Ah, meu Deus, não seja assim tão irresistível.

******************

__ Não devíamos ter feito sexo na varanda.
__ Não se preocupe, não vou contar a ninguém. Só ao Rubens e ao pessoal do bar.
__ Não, não é por isso. Eu moro no prédio em frente. E meu pai costuma fumar de madrugada. Na varanda.
__ Meu Deus.
__ É mentira. Não acredito que acreditou.
__ É, sou uma vergonha mesmo. Como você se sente?
__ Muito bem. Tirando o nascer do sol. Luz me incomoda. E me dá sono. Mas eu adorei a noite. E você, como se sente?
__ Com mil borboletas no estômago.

3 comentários:

Unknown disse...

Não sei porque você ficou tão relutante em publicar. Tá excelente...

Anônimo disse...

Diga a seu personagem que eu o ouço quando rezo, mas acho engraçado o modo como ele fica puto quando não atendo seus pedidos.

Dany Lynn disse...

hahahahahahah
quero voltar a sentir mil borboletas no estomago