segunda-feira, 2 de junho de 2008

Amores possíveis II - Lígia e Bárbara

Então o plano.

Não, não havia plano. Era só estímulo, manifestação, sopro, indo em todas as direções, num caminhar descontínuo e sem limite. E havia a esperança, todas as esperanças unidas no desejo latente de matar a sede. A fome. Tudo que consome e cega. E consumida e cega eu ia, faminta dos gostos dela, desconhecidos e cravados na minha pele, minha língua, meu suor que banhava a cama noite após noite. E noite após noite meus dedos a transformavam em vítima e cúmplice desse crime ensopado, e a cada amanhecer de cada dia eu era ela, ainda que ignorando por completo seu nome. E andava nos seus passos por não encontrar meus sapatos ou o que tivesse valia, eu ia.

Então a forma.

E havia um dia de luz, uma luz clara de fechar olhos. E de olhos fechados eu ia até cruzar com ela, num único respirar do universo. Todos os meus poros se abriram como que para absorver o perfume que ela exalava impunemente, e naquele momento de luz e dor eu fui dela, e continuei sendo dela, todos os dias em que eu refazia aquele caminho pra cruzar com o olhar dela, esperando que de olhos abertos ela caminhasse e pudesse me ver, mendiga dos carinhos dela. E a segui, e os dias em que ela não caminhava pela nossa estrada de tijolos eram longos e vazios, daquela espera silenciosa e voraz pelo dia seguinte. Eu ia.

Então o espelho.

O espelho me julgava e me mentia todos os dias, porque eu contrariava a natureza por desejar aquela criatura e por saber que o sexo dela era o mesmo do meu. E não só o espelho como o dia, a noite, a chuva e todos os olhares me julgavam por esse desejo errado porém latente e de uma verdade tão absoluta quanto absoluta era a equidade entre o sexo meu e o sexo dela. Mas contrariando qualquer julgamento eu continuava a esperar, e cada vez mais sedenta do sexo dela igual ao meu junto ao meu eu ia.

E de ir acabei cegando pro que devia ter visto, e devo ter cruzado com ela em vários outros caminhos, mas a esperava sempre no lugar que julgava nosso, por tê-la visto lá a primeira vez. E não vi caminhos outros e não vi mais a ela e a mais nada. Apenas ceguei.

Então a visão.

Ela veio caminhando por um caminho novo, num dia sem luz de fechar olhos, num dia de se caminhar seguramente por um caminho que se vê, se conhece e se deseja. Ela veio. Eu não pude ir até ela porque não sabia se ainda podia andar, eu apenas esperei. Ela veio.

E começou a falar.

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