terça-feira, 18 de março de 2008

O livro do desassossego

Me perdoa. Só me perdoa. Porque fui estúpido, porque agi feito um imbecil, ataque de hipoglicemia, como você mesma diz. Não sei o que houve, ou porque fiz o que fiz, sei que fiz e foi feio e deve ter doído aí, porque aqui em mim doeu, mas só doeu depois, quando eu percebi repentinamente, como num vislumbre, quase uma anunciação, que ao agir assim eu podia te perder. E me lembrei daquela analogia que você fez uma vez, da pessoa que perde a outra pessoa, a pessoa querida, a cara persona, como quem perde um anel precioso por dia, e não quero te perder diariamente. Quero ter sua conquista diária, como você disse. Tudo bem, vou tentar parar de te citar, é a velha necessidade de parear, isso não é novo pra mim, só estava adormecido. E estando adormecido e tendo acordado com tamanha violência e encanto, fico sem saber como agir, porque você me intimida e me invade e me atinge de uma maneira que não sei dizer se é positiva ou negativa, sei que você me atinge de maneira brutal e vai devastando os espaços que eu gostava de pensar ilesos. Não, não tenho medo de ti, não tenho medo dessa entrega, não tenho medo desse encantamento. Tampouco me incomoda o desassossego, você surgiu como grata surpresa e quero me alimentar disso sim, mas às vezes ajo assim, feito imbecil, e sei que te deixo feito nau à deriva, perdão por isso, sou tão menino perto de você. E você é tão resiliente, tão irascível, hahaha, pode rir, aprendi essas palavras contigo, você as disse ontem enquanto xingava minhas cinco gerações vindouras, eu me lembro, estava ébrio mas não fora de mim. Tanto que cheguei em casa em estado de horror e fui procurar um dicionário porque eu precisava saber do que você estava falando, porque você costuma falar e eu costumo entender, é como você diz, somos harmônicos, somos sintônicos, não quero perder isso. Então me diz que me perdoa e vamos fazer as pazes daquele jeito piegas que os casais costumam fazer, pensei numa cena pra isso, um take de cinema, a gente aqui com esse sol ameno e esse vento-quase-brisa e nós dois sentados nessa escada tentando acalmar esse desassossego. Palavra sua. Me perdoa. E aí você diz que me perdoa sim, ora porra, e eu volto a sorrir, e você me sorri também e corta a cena, tem música, talvez Chico, nosso favorito, pode ser assim? Talvez funcione assim, sei que vai, e até posso te imaginar escrevendo sobre isso, você é tão mulher e tão melhor que eu. Ah, eu sei que você me perdoa, eu sei, pequena, eu sempre soube. Daí você diz que me perdoa e eu te abraço e você me abraça e eu gosto do seu abraço porque você abraça de verdade e eu sinto o teu cheiro e o desassossego volta a ser encantamento. Mas para de me punir com esse olhar, com esses silêncios, com esses muxoxos de desaprovação, porra, eu não parei de falar e você só me olha como se me radiografasse, procurando saber a verdade, não é mentira, agi feito imbecil sei lá porquê, mas quero você. Sempre quis. E vou continuar a querer.

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