Momento inescrupuloso – Parte I
O primeiro tempo do jogo acabou e eu ainda estava divagando, pensando qual seria o motivo para Mariane ainda não ter chegado à casa da Penélope. O Flavinho me cutucou no braço e eu levei o maior susto.
– Tá tudo bem, Klaus? Você tá tão calado.
– É falta de cerveja, pega uma lá pra mim.
– Pega você, seu folgado.
Dei um cascudo nele.
– Deixa de ser mal-agradecido, rapaz.
– Agora que eu não pego mesmo.
– Deixa você me pedir cerveja de novo, pra você ver.
– Tá bom, tá bom. Tô indo...
Ele saiu. Eu levantei, dei aquela espreguiçada, como se estivesse sentado ali por séculos, depois fui pegar uma carne de sol na mesa, perto do Seu Dorival e da Dona Isadora. O Flavinho voltou com a latinha de cerveja aberta e bem mais leve do que deveria estar.
– Aqui, Klaus, a cerveja que você deixou lá na cozinha. Vê se não desperdiça.
Aquele moleque sempre foi uma figura, mas aquela superou todas. Eu não agüentei e comecei a rir. Seu Dorival me olhou daquele jeito meio desconfiado.
– Tá rindo do quê?
– Olha quem tá preocupado com a cerveja. Não toma nem leite direito e vem me dar lição de moral pra não desperdiçar cerveja.
– Flavinho, vai lá dentro e traz uma pra mim também.
– Toma essa aqui, Seu Dorival. Tá geladinha, eu tô meio empapuçado.
– Tá bom.
– Flavinho, vamos comigo na casa da Juliana?
– Ela não tá vindo pra cá?
– Tá, mas o Henrique me ligou pedindo pra ir lá ajudar eles a arrumar umas coisas, mas não disse o que era.
– Posso ir, pai?
– Se quiser ir, vai.
– Beleza.
Sai, passei na geladeira, peguei duas latinhas e entrei no carro com o Flavinho. Sei que eu não devia fazer o que eu estava fazendo, mas o Flavinho era gente boa demais e ao fazer isso eu pelo menos controlava o quanto ele bebia, do contrário ele bebia escondido até ficar bêbado como no dia do casamento de uma prima deles. A sorte dele foi que eu vi antes de todo mundo e o enfiei dentro do meu carro às escondidas. Deixei-o dormindo e voltei pra festa. Quando senti que Seu Dorival estava querendo ir embora e estava procurando por ele, voltei no carro e o acordei. Ele ainda teve a capacidade de vomitar lá dentro.
Enfim, entramos no carro e quando dei a partida ele abriu a cerveja e deu um gole. Eu o repreendi porque ele só deveria fazer isso quando estivéssemos longe da casa dele. Duas quadras depois parei o carro e ficamos lá dentro conversando.
– Quê que o Henrique quer?
– Não quer nada, seu Mané. Te trouxe aqui pra você tomar essa última cerveja, hoje. Estamos entendidos?
– Ah, Klaus. Só mais essa?
– Enquanto teu pai não liberar, eu te encubro, mas tem que ter limite.
– Mas eu já tenho dezesseis anos!
– É um problema seu com seu pai, além do mais até onde sei é proibido menor de idade beber.
– Por que você me dá bebida então?
– Porque se eu não der você vai beber escondido, e nós dois sabemos que você não tem limites.
– Ih, essa história de novo.
– É essa história de novo, seu Zé Ruela. Foi dose voltar pra casa com a tua prima e o carro cheio de vômito sem poder explicar o quê que era. Eu tive que culpar o Henrique e depois disso, ela ficava no meu pé toda vez que eu saia com ele. Tudo isso pra você não levar uma surra.
– Pô, valeu.
– Valeu uma pinóia. Você me deve sua alma, caramba.
Fez cara feia, porque sabia que era verdade. Eu o chantagearia eternamente por causa daquilo, muito embora até o momento estivesse sendo extremamente condescendente com ele e só o chantageasse para protegê-lo da própria sede insaciável.
Liguei para o Henrique para que passasse onde estávamos antes de ir para a casa da Penélope. Chegando juntos não haveria o incômodo de explicar porque fomos à casa da Juliana e voltamos separadamente.
Diversão inescrupulosa – Parte I
Ficamos tomando a cerveja, ambos calados. Até que o Flavinho falou uma besteira qualquer e eu discordei dele só para irritá-lo. O Flavinho era muito engraçado quando ficava nervoso. Começava a falar coisas desconexas e por fim ficava calado durante um longo tempo para depois, quando pensávamos que o assunto já estava encerrado, recomeçar a falar. Só que ele recomeçava a falar igual uma metralhadora quase sem recuperar o fôlego até que se esgotava e calava-se novamente dando tudo por encerrado, sem aceitar que tocassem no assunto novamente. Uma figura ímpar.
Depois de discordar dele ele começou a falar e falar e não falava nada com nada, até que o carro do Henrique apareceu na esquina com toda aquela velocidade de tartaruga maratonista, como sempre. Ele parou o carro dele ao lado do meu, olhou para o Flavinho todo emburrado e depois olhou pra minha clássica cara cínica. Balançou a cabeça e começou a rir.
– Vocês dois não mudam nunca. Vamos.
– Vai na frente aí que eu vou seguindo atrás. Se eu for na frente você vai chegar lá no final do segundo tempo.
Ele arrancou o carro e nem se deu ao trabalho de me responder. Odiava quando falavam da forma como ele dirigia. Quase que automaticamente incorporava o Airton Senna e saia ziguezagueando os carros mais lentos.
Eu havia olhado dentro do carro de maneira discreta, mas não vi a Mariane lá dentro nem a Juliana, o que achei ainda mais estranho, já que ela e o Henrique eram unha e carne, e a Juliana era Flamenguista fanática
Liguei o carro e segui em direção à casa da Penélope, andando a quase vinte quilômetros por hora. Flavinho ao invés de encerrar a discussão de sua maneira particular, resolveu tentar me importunar.
– Você fala do Henrique, mas é pior que ele.
– Olha quem resolveu falar. É o Emburradinho da Estrela. Conhece o Emburradinho da Estrela, Flávio?
– Vai te catar.
– Hahaha... Calma, Flávio. Calma! Eu tô indo devagar porque Vossa Excelência ainda não terminou a cerveja.
– Ih, nem lembrava.
– Toma mais um gole e me dá aqui. Pode ser?
– Pode, eu já tô cheio mesmo.
Ele bebeu mais um gole da cerveja e me deu a latinha, só então comecei a andar a uma velocidade compatível com a via. Indiquei a ele umas pastilhas de menta que estavam no porta-luvas havia pelo menos três meses, sem, é claro, revelar este pequeno detalhe.
– Gosto estranho. É de quê?
– Menta arábica. Sabor novo no mercado.
– Quer uma?
– Ah, não. Obrigado. Vai deixar a cerveja com gosto diferente.
– Tá bom.
– Pode ficar com as pastilhas pra você.
– Pô, valeu Klaus.
Liguei o som e logo chegamos à casa dele.
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2 comentários:
Quanto mais leio, mais gosto do Klaus. O cara é ímpar: consegue ser cínico, seco, sarcástico, irônico, "responsavelmente irresponsável" e um super amigo. Acho que sou um pouquinho Klaus também...(risos). E quem não é?! =)
Sabe de uma coisa? Adorei o blog. Vocês escrevem muito bem. Voltarei mais vezes.
vc e esses seus contos...
:D
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